MORTE, O SEGREDO DESTA VIDA

Por Fellipe Torres

Um ensaio sobre a amarga doçura da morte, a partir das ideias do filósofo Arthur Schopenhauer.

Acid - Giuseppe e os pombos em Paris

O filósofo Arthur Schopenhauer (1788-1860) dizia que a morte é o grande gênio inspirador da filosofia. “Sem a morte, seria muito difícil filosofar”. Para ele, o fato de os animais viverem sem conhecer a morte, faz com que desfrutem de certa imortalidade, “na medida em que tem conhecimento de si mesmo como ser sem fim”. No homem, a razão trouxe a assustadora certeza da morte. Mas essa mesma certeza nos impulsionou para criar opiniões metafísicas que nos consolam a respeito da inevitabilidade do fim (algo que os animais não precisam nem são capazes de ter).

Um dos grandes objetivos das religiões e/ou filosofias, diz Schopenhauer, é fazer com que o homem encare a morte com serenidade. A partir desse raciocínio, ele analisa, por exemplo, como a questão é tratada pelo bramanismo e o budismo: essas religiões ensinam o homem a ver-se como um ser primordial, que independe de qualquer nascimento ou morte.

Essa ideia, para Schopenhauer, é muito mais eficaz do que teorias lançadas por outras religiões, nas quais o homem foi criado a partir do nada e recebe a própria existência de um outro ser (esses ensinamentos tornariam as pessoas incapazes de assimilar, no futuro, “conceitos mais sólidos e corretos”). Por isso, diz ele, “encontramos na Índia uma confiança na morte e um desprezo por ela que seriam inconcebíveis na Europa”.

india varanasi yogue
Varanasi, a cidade dos mortos (Índia)

De um modo geral, o homem teme a própria morte (e a das pessoas próximas a ele). Quando tem desejo de vingança, enxerga na morte a maior punição possível capaz de ser aplicada ao outro. Ou seja, algo mais ou menos universal é a ideia de que a morte é um grande mal. “Na linguagem da natureza, morte significa aniquilamento”.

Sendo o conhecimento uma ferramenta capaz de revelar a insignificância da vida e, por consequência, combater o medo da morte, nós costumamos admirar aquele homem capaz de enfrentar a morte com coragem e serenidade. Quem assim age, é encarado como grande e nobre. Do mesmo modo, desprezamos quem está “incondicionalmente ligado à vida” e, assim, recebe a aproximação da morte com desespero.

Schopenhauer provoca: “se o que faz com que a morte nos pareça tão assustadora fosse a ideia do não ser, deveríamos pensar com o mesmo horror no tempo em que ainda não existíamos. Pois é incontestavelmente certo que o não ser após a morte não é diferente daquele antes do nascimento, portanto, tampouco poderia nos afligir mais”.

morte Hugo Simberg Garden Death
Hugo Simberg – Garden of Death

E complementa: “Ao contrário, achamos difícil e até insuportável que o incidente momentâneo de uma existência efêmera deva ser seguido por uma segunda eternidade, na qual já não existiremos. Não teria essa sede de existência surgido do fato de termos experimentado a vida e tê-la achado tão adorável? Certamente não”.

Será que o medo da morte está de fato ligado ao fim da vida, ou mais associada à destruição do organismo? O quão terrível para nós são as doenças, a velhice, o sofrimento diante de uma dor lancinante? Se o sono e o desmaio são irmãos da morte, do que temos tanto medo?

Em alguns casos a morte se aproxima não como um mal, e sim como um bem, algo desejado, uma amiga. Todos que foram de encontro a obstáculos insuperáveis em sua existência ou em suas aspirações, sofreram de doenças incuráveis, tiveram tristezas inconsoláveis têm, na morte, um último refúgio. “O retorno ao seio da natureza, do qual eles, como todos os outros, emergiram por um breve período, atraídos pela esperança de encontrar condições mais favoráveis de existência do que aquelas que tiveram”.

Para falar sobre a insignificância da vida, Schopenhauer cita Krishna: “a morte ou a vida do indivíduo não importam em absoluto. É o que ela mostra ao abandonar a vida de todo animal, bem como a do homem, aos acasos mais insignificantes, sem intervir para salvá-los”. Reparem: a natureza nos coloca à mercê de toda espécie de perigo sem se importar se vamos morrer ou não. Isso porque, nas palavras de Schopenhauer, se “cairmos”, seremos amparados no seio dessa mãe. Por isso, essa “queda” é apenas uma farsa. Morrer é, sendo coelho, desaparecer do interior da cartola do mágico, diante da plateia.

Dessa morte mágica padecem a todo instante as folhas que se renovam nas árvores, os animais que abatemos ou que morrem por si só, e os próprios povos. Enquanto observamos com algum distanciamento, tudo parece estável (apesar das instabilidades intrínsecas a cada um deles). Populações são as mesmas com o passar do tempo, embora uns tantos tenham nascido enquanto outros bocados tenham morrido. Tudo, portanto, é imortal, “embora a história sempre pretenda contar algo diferente, pois ela é como um caleidoscópio, que a cada giro mostra uma nova configuração, enquanto, na verdade, temos sempre o mesmo diante dos olhos”.

Justamente por isso, Espinoza dizia: “sentimos e experimentamos que somos eternos”. Mas, como nos ensina Schopenhauer, a morte é a maior reprimenda que o curso da natureza inflige à “vontade-de-viver” e, mais especificamente, ao egoísmo que lhe é essencial. “O egoísmo consiste no fato de que o homem limita toda a realidade à sua própria pessoa, imaginando que existe apenas nela, e não nas outras. A morte lhe mostra que ele está enganado, na medida em que suprime essa pessoa, de maneira que a essência do homem, que é sua ‘vontade’, continuará a existir somente em outros indivíduos”.

Como bom pensador pessimista que é, Schopenhauer nos brinda com essa excelente definição da morte: “é a última grande ocasião para se deixar de ser ‘Eu’: feliz daquele que aproveita. A morte é o momento da libertação da estreiteza de uma individualidade que deve ser considerada não o cerne mais íntimo de nosso ser, e sim uma espécie de aberração desse”.

Por fim, o filósofo aponta para as agruras da vida e as classifica como as mazelas das quais vamos nos libertar em certo momento. Esse olhar crítico cria, por baixo do discurso supostamente pessimista de Schopenhauer, camadas finas e sofisticadas de otimismo. Senão, vejamos: ele nos fala que cada um de nós, na profunda intimidade, percebe vez ou outra que, na verdade, “para nós seria mais adequado e conveniente um tipo de existência totalmente diferente desta, que é tão inefavelmente pobre, temporal, individual e oprimida por tantas misérias”.

morte coco filme dia dos mortos
Dia dos Mortos (México)

Outras pitadas de otimismo surgem mais adiante quando ele nos faz perceber que nós costumamos enxergar a nossa própria morte como o fim do mundo. Mas Schopenhauer nos ajuda a ampliar essa visão mesquinha: “A profunda dor causada pela morte de todo ser que se é amigo surge a partir do sentimento que, em todo indivíduo, existe algo inefável, inteiramente irrecuperável”.

Depois de sugerir que a vida seja encarada como uma “rigorosa lição” que nos é dada, ele nos diz para lembrarmos de nossos amigos falecidos com satisfação, considerando que superaram a lição e desejando que ela tenha sido aproveitada. “A partir do mesmo ponto de vista, devemos encarar nossa própria morte como um acontecimento desejado e agradável, em vez de, como ocorre na maioria das vezes, dela sentirmos medo e pavor”.

Em sintonia com essa ideia (mesmo que sem intenção), Raul Seixas compôs e gravou a belíssima Canto Para a Minha Morte, com a qual me despeço, desejando a todos uma boa vida e, claro, quando a hora chegar, uma excelente partida.

Raul Seixas – Canto para minha morte

Para saber mais:
Sobre a morte – Pensamentos e conclusões sobre as últimas coisas; Arthur Schopenhauer
Metafísica do Amor / Metafísica da Morte; Arthur Schopenhauer
O Mundo como Vontade e Representação; Arthur Schopenhauer
Livros de Nietzsche e Schopenhauer para download;
Mirdad – Sobre a Morte

Fonte: Obvious Magazine

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Lucas
6 março de 2024 1:12 pm

Relatos perturbadores de quem esteve quase morto e voltou: pesquisadora da USP explica as consequências psicológicas da EQM
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/03/06/relatos-perturbadores-de-quem-esteve-quase-morto-e-voltou-pesquisadora-da-usp-explica-as-consequencias-psicologicas-da-eqm.ghtml

Lucas
10 setembro de 2023 10:32 am

Existe vida após a morte? Saiba o que diz a ciência e veja relatos
Resultados de pesquisas apontam que consciência pode ir além da morte do cérebro, explica professor de psiquiatria. Experiências de quase-morte (EQMs), experiências mediúnicas, memórias de vidas passadas e aparições são estudadas por cientistas; entenda.
https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2023/09/10/existe-vida-apos-a-morte-saiba-o-que-diz-a-ciencia-e-veja-relatos.ghtml

...
29 agosto de 2023 4:34 pm

Estudei mais de 5.000 experiências de quase morte. Minha pesquisa me convenceu, sem dúvida, de que existe vida após a morte.
https://www.insider.com/near-death-experiences-research-doctor-life-after-death-afterlife-2023-8

Lucas
Lucas
2 novembro de 2022 1:05 pm
Lucas
Lucas
19 setembro de 2022 11:49 pm

Announcing the BICS Challenge Grants Program for 2023

https://bigelowinstitute.org/grant.html

...
...
30 novembro de 2021 1:16 pm

Legado de Chico Xavier ganha ensaio premiado nos EUA

Trio brasileiro lança mão de obra do médium como prova da sobrevivência da consciência humana

https://www.otempo.com.br/interessa/legado-de-chico-xavier-ganha-ensaio-premiado-nos-eua-1.2576768

Lucas
Lucas
28 novembro de 2021 10:21 pm

comment image

Lucas
Lucas
23 novembro de 2021 11:09 pm

Best Evidence for Afterlife – BICS ESSAY COMPETITION – $ 500,000 Prize

All 29 Essays Published Here!

https://www.bigelowinstitute.org/contest_winners3.php

Lucas
Lucas
24 novembro de 2021 12:40 am
Reply to  Lucas

Bilionário americano oferece R$ 3 milhões para quem apresentar evidências de vida após a morte

Prêmio de concurso inusitado é apenas uma parte do que Robert Bigelow já gastou nos últimos 30 anos com pesquisas sobre fenômenos paranormais, buscas por vida extraterrestre e projetos espaciais.

https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2021/02/07/bilionario-americano-oferece-r-3-milhoes-para-quem-apresentar-evidencias-de-vida-apos-a-morte.ghtml

...
...
24 novembro de 2021 9:14 pm
Reply to  Lucas

Quando vejo essas informações sobre Ets e trabalhos científicos sobre vida após a morte divulgada para todos na internet..

lembro o que você escreveu no post sobre Constantinte..

Uma mensagem de cunho espiritual importantíssimo, que até há algumas décadas era reservada a estudiosos e iniciados, e que hoje é passada assim, num filme de Hollywood, enquanto comemos pipoca! Reflexo do fim dos tempos! hehehe

https://www.saindodamatrix.com.br/constantine/

Beto
Beto
29 agosto de 2021 2:42 pm

Observo que, apesar de encarar a vida com esse ar pessimista e ver a morte como uma solução “feliz” para as misérias que experimentamos em vida, Schopenhauer seguiu vivendo até onde pôde; Isso indica que o ímpeto de seguir vivendo é forte demais até para aqueles que tem uma opinião tão desfavorável sobre a vida. Nenhum ser ousaria se desfazer da vida a não ser que estivesse em estado de intenso desespero e completa falta de perspectivas (caso dos suicidas). Em condições normais, todo ser vivo busca perpetuar a vida a cada instante, momento a momento; A vida quer viver,… Read more »

Lucas Oliveira
Lucas Oliveira
27 janeiro de 2021 12:58 pm

NDERF is the largest NDE site in the world, with over 4,000 experiences in more than 23 languages!
https://www.nderf.org/

Review of “Evidence of the Afterlife”
http://neardth.com/evidence-of-the-afterlife.php

The Nine Lines of Evidence
http://www.newdualism.org/nde-papers/Long/Long-_2012–1-2.pdf

Exceptional Experiences
https://www.nderf.org/Archives/exceptional.html

Lucas Oliveira
Lucas Oliveira
27 janeiro de 2021 12:55 pm

Near-Death Experiences

Evidence for Their Reality

by Jeff rey Long, MD

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6172100/pdf/ms111_p0372.pdf

Lucas
Lucas
8 novembro de 2021 6:31 pm
Reply to  Lucas Oliveira

Jeffrey Long foi um dos vencedores desse concurso organizado pelo Bigelow Intitute, ele ficou em quarto.

Lucas Oliveira
Lucas Oliveira
26 janeiro de 2021 4:32 pm

Best Evidence for Afterlife – BICS ESSAY COMPETITION – $ 500,000 Prize

http://www.bigelowinstitute.org/

Lucas
Lucas
1 março de 2021 2:02 pm
Reply to  Lucas Oliveira

Thanks for submitting applications to the BICS Essay Contest. Due to the very large number of applications received just prior to the February 28 deadline, BICS will be processing applications for the next few days. If you have NOT heard from us by March 5, 2021, your application has been unsuccessful
https://www.bigelowinstitute.org/

Lucas
Lucas
29 outubro de 2021 8:40 pm
Reply to  Lucas Oliveira

Alguém tem notícias sobre esse concurso?

o resultado seria em novembro..

Lucas
Lucas
7 novembro de 2021 1:37 pm
Reply to  Lucas

Vencedores do Concurso!!

Os Melhores Trabalhos Científicows sobre Vida após a Morte

Contest Winners

Announcement BICS Essay Contest November 1, 2021

https://www.bigelowinstitute.org/News4.php

Lucas Oliveira
Lucas Oliveira
26 janeiro de 2021 3:28 pm

Há vida após a morte? Empresário oferece prêmio de quase um milhão de dólares para descobrir

https://www.mysterywire.com/mysteries/bigelow-institute-for-consciousness-studies-bics/

Geninha
Geninha
14 dezembro de 2020 5:28 pm
Reply to  Acid

Nós dois perdemos nossas mães no mesmo ano e mês. A minha faleceu em 30 de Agosto de 2.019 após “liberar” a morfina. Estou no mesmo estado de ânimo que você, colocando a casa em ordem… Acredito que seja um processo do luto o qual nosso físico está correspondendo.

Nos ensinou tanto, está esquecendo?
Fica bem! 🙏🏽

Gleison
Gleison
15 dezembro de 2020 12:10 pm
Reply to  Acid

Acho que temos idades parecidas. Eu farei 42 anos ainda este mês. Tenho uma saúde boa, me parece. Me cuido. Mas posso te afirmar, sem nenhuma dúvida: Independente de qualquer situação (cirurgia no coração, perda de entes queridos ((li na resposta da colega abaixo), pandemia) nessa idade todos fazemos uma análise mais próxima sobre o descortinar do fim. Com a mudança de morada, desencarnar, partir… Você se olha no espelho diariamente e vê que não tem mais aquele brilho da juventude. E ao mesmo tempo vc vê essa energia em outros de menos idade. Você sabe que já virou a… Read more »

Ilham
Ilham
21 julho de 2021 5:30 pm
Reply to  Acid

Espero, que no momento em que escrevo vc já tenha resolvido o seu problema de saúde, já esteja recuperado e devidamente vacinado ( aqui no Rio, estão vacinando as pessoas da faixa dos 30). Falar sobre a morte é essencial. Não acho nem um pouco deprimente, pelo contrário, é uma coisa que nos dá serenidade. Que vc tenha muita saúde, é o que desejo.

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