THE CHOSEN

Nunca cheguei a falar isso no blog, mas o grande forjador da minha espiritualidade foi o livro Operação Cavalo de Tróia, de J. J. Benítez. Eu sempre fui muito observador e crítico desde pequeno, e minhas interações com a escola dominical e professores de religião nunca eram muito boas. Havia uma estranheza da minha parte entre o que ensinavam e o que eu lia na Bíblia. E ficou assim até eu ver Jesus Cristo Superstar, que foi minha introdução a um Jesus mais humano e mais próximo do que eu entendia lendo a Bíblia. Mas faltava algo. Até que li Operação Cavalo de Tróia e “achei” o meu Jesus ali, em sua dimensão humana E divina. A partir daí me interessei em saber se esse Jesus do livro “existia” e fui procurar reler a Bíblia, pesquisar o Jesus histórico e sim, estava tudo ali, o Jesus por detrás dos dogmas. Depois do segundo livro o autor perdeu sua inspiração (que dizem que foi o Livro de Urantia) e começou a forçar uma história bem chata. Passei décadas torcendo pra que alguém filmasse o livro, mas não surgiram nem rumores disso. Acontece que em 2017 uma série sobre Jesus foi feita que escapou completamente do meu radar, totalmente financiada por crowdfunding e que eu só descobri esse ano!! E ela se chama The Chosen (Os Escolhidos).

The Chosen

The Chosen consegue ser até MELHOR que o livro de Benítez, pois o ritmo é mais lento e vemos tudo pelos olhos dos discípulos, o que faz a gente ficar imerso na época e no dia-a-dia do povo da Galiléia (e no quanto Jesus transforma o seu entorno). Ele traz o “meu” Jesus com toda a sua perspicácia, humor, diplomacia, liberdade, amor e compaixão (além de uma visão muuuuuuito à frente de seu tempo), numa época onde só os “doutores da lei” é que podiam falar de (e com) Deus. Mostra como Jesus era um completo outsider, avesso às convenções religiosas dogmáticas. Cada episódio é uma AULA sobre algum tema religioso e cultural da época. É simplesmente a melhor mídia sobre Jesus já feita. O jovem (e inspirado) diretor / escritor Dallas Jenkins buscou se cercar de um time composto por um padre, um rabino e um teólogo pra compor o background espiritual de tudo o que Jesus viveu. Gastamos um bom tempo com os pescadores, como Simão (Pedro), vemos o contraste com o luxo de Mateus, o cobrador de impostos, e toda a dinâmica entre ele e os romanos, ele e os apóstolos e ele com a própria família. Os vazios sobre cada apóstolo (e são muitos, já que a Bíblia não fala muito deles) são preenchidos com sabedoria e sensibilidade pelo roteirista. Mateus, por exemplo, é retratado dentro do espectro autista, porque Dallas Jenkins percebeu que de todos ele era o único que ia a fundo nos detalhes bíblicos, e sua característica poderia ser até uma vantagem no campo da contabilidade de impostos. Me encanta também a sensibilidade de não retratar nenhum apóstolo como um super herói ou abençoado, porque na Bíblia a gente vê o quanto eles são “bobos” pra entender Jesus, são pessoas simples e com seus defeitos e frustrações. O tempo que levamos acompanhando Pedro, por exemplo, é essencial pra ver como um pescador grosseirão (mas carismático) vai assumindo uma condição de liderança natural, mas ao mesmo tempo mostra uma fragilidade que vai desaguar (lá na frente) na negação de Jesus. E esse é o primeiro filme / série que mostra o que é de fato um Zelote, que é um assassino treinado pra combater a ocupação romana, um extremista religioso. A conversão de Simão (o Zelote, não o Pedro) se torna muito mais especial quando acompanhamos o seu dia-a-dia de Zelote.

Graças a Deus a série não é bitolada de preconceito, extremismo ou mão pesada contra os judeus, pois mostra de forma bem didática a divisão que existia entre os Fariseus, com um grupo mais aberto a uma interpretação da Bíblia mais próxima da espiritualidade e outro grupo mais radical, onde vale literalmente o que está escrito e com todo o peso das obrigações diárias que Jesus tanto criticava. É interessante ver discretamente na série alguns dos costumes judeus, como tocar na Mezuzá que fica na porta de casa toda vez que sai ou entra, ou as orações curtas que eles fazem ao acordar, dormir, comer, etc. Nos lembra o tempo todo quem é aquele povo e que Jesus é parte daquilo e faz todas essas coisas que os judeus fazem, só que não vai pro radicalismo imposto pelos Fariseus e traz uma nova perspectiva da religião e das Leis.

As mulheres têm um papel importante na série, e nem é feito com lacração ou pra ser woke. Quem lê a Bíblia com atenção vê que Jesus dá uma importância às mulheres que a sociedade da época não dava (e isso a série mostra). Vemos Maria Madalena se tornando uma Rabi (professora) para as mulheres do grupo e inteligentemente o roteiro não mostra as mulheres o tempo todo com Jesus a ponto de formar um núcleo (que se tornaram os apóstolos), e isso é explicado pelo perigo das viagens e pela necessidade de conseguir dinheiro pra se manterem, então pra isso elas montam um olival. A minha maior surpresa foi ver uma cigana Tamar, que veio do Egito e passou a seguir Jesus, pois ela era (quase) a cara da Oráculo (ou pelo menos do retrato que fizeram dela).

The Chosen: Os escolhidos - Tamar
Tamar

Oráculo adotava essa forma justamente porque foi a encarnação que mais marcou ela, a que ela viu Jesus de longe pregando no Monte das Oliveiras. Ela disse que tinha muita gente, e que as pessoas ouviam os ensinamentos em sua própria língua!! Eu passei anos matutando sobre isso, pensando em algum poder divino-telepático, mas a série justamente mostra o sermão da montanha como um grande evento, porque o local era o cruzamento de diversos viajantes, e que com isso juntou um monte de gente pra ouvir e os apóstolos ficavam espalhados na multidão a uma certa distância pra repetir em voz alta o que Jesus falava pra que os de lá detrás pudessem ouvir! E aí caiu a ficha de como os estrangeiros poderiam ouvir na sua própria língua!! Da mesma forma, com pessoas traduzindo e gritando no meio da multidão!

Eu estou realmente empolgado com essa série, e espero que não a estraguem (a Angel Studios, que produz essa série, recentemente fez o filme Sound of freedom) que foi adotado pela turma de Trump e está dando o que falar). The Chosen tem 3 temporadas (as duas primeiras dubladas, a terceira legendada), e a primeira pode ser vista na Netflix com boa qualidade. Todas as 3 temporadas podem ser vistas gratuitamente no site da Angel Studios e no aplicativo deles. Dia 31 de agosto de 2023 estréiam os dois primeiros episódios da terceira temporada dublados em português, e eles vão fazer essa estréia NOS CINEMAS. Eu sou meio chato com filme dublado, quase sempre prefiro o original, mas eu assisti tudo dublado e amei, quando vi a terceira temporada em inglês chega deu uma tristeza, porque as vozes em português combinam MUITO com os personagens.

10 curiosidades que você não sabia sobre The Chosen

Pra quem já viu The Chosen recomendo o canal do Youtube Dois Dedos de Teologia, que traz um aprofundamento ainda maior na parte histórica e teológica dos personagens, diz o que foi retratado fielmente da Bíblia e o que foi inventado pelos roteiristas, etc:

4 curiosidades teológicas sobre The Chosen Ep. 1, Temporada 1

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No Mercy
No Mercy
11 agosto de 2023 8:28 am

Sempre é muito gratificante ler seus artigos e textos, esse peguei em primeira mão hehe

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