MEDIUNIDADE A SERVIÇO DOS OUTROS

Mais um trecho do livro Na próxima dimensão, de Inácio Ferreira & Carlos Baccelli:

Quando a reunião terminou, Odilon tomou a palavra e dirigiu-se os pupilos que ainda permaneciam extasiados com a visita do Mensageiro:
– Não nos esqueçamos – disse – que o Mentor que esteve conosco nesta noite nos exortou à vivência do Amor; notemos que, especificamente, não abordou ele nenhum assunto concernente à mediunidade: o enfoque de sua palavra baseou-se na necessidade de amarmos os semelhantes… Não olvidemos a sábia advertência, porquanto muitos medianeiros, preocupados com o exercício de suas faculdades, relegam o aprimoramento de seus sentimentos a plano secundário…

E, fazendo breve pausa, acentuou:
– Vocês sabem que, dias atrás, o nosso Chico Xavier, que elegemos como médium-modelo no Liceu, deixou o corpo; sem dúvida, no campo da mediunidade, ele cumpriu com todos os deveres pertinentes, superando, inclusive, a expectativa daqueles que, de Mais Alto, lhe endossaram o sublime tentame; todavia, no campo de suas ações, intermediando os próprios sentimentos evangelizados, ele obteve o reconhecimento público, conquistando significativa vitória para os nossos princípios… O livro age em cada um, isoladamente, mas os bons exemplos repercutem na coletividade; mediante a desencarnação de Chico, os nossos irmãos encarnados vêm registrando expressivo recorde de vendas de suas obras; é que o autor ou o co-autor, quando desfruta de credibilidade, atrai o leitor… Em mediunidade, a parte que compete ao médium, notadamente no que tange à coerência, é de grande significado: o médium, por assim dizer, é a fotografia que o espírito emoldura; é sobre ele, e não sobre o espírito, que as atenções se concentram…

Vocês são estagiários nesta casa e pretendem abraçar a tarefa mediúnica; as suas percepções psíquicas despontaram e se mostram interessados em utilizá-las de forma conveniente, cooperando com a causa do Espiritismo no mundo. Extremamente elevado o propósito em que se pautam, no entanto, se vocês reencarnarem com a única preocupação de serem exímios instrumentos, não lograrão servir ao ideal como desejam… Para as intenções do Cristo, junto à Humanidade, é preferível ser bom a ser médium. A vaidade e o personalismo, o orgulho e a ambição têm anulado as possibilidades mediúnicas de muitos companheiros promissores… Outro lembrete importante: na condição de médiuns, procurem não se isolar, não se afastar das atividades assistenciais, não se acreditarem auto-suficientes… O medianeiro que envereda pelo campo da filosofia, indiferente à necessidade que margeia o caminho, se, acaso, produz para o intelecto, não produz para o coração… Divino Intermediário de Deus, o Cristo não se distanciava da legião dos sofredores que sempre andavam em sua companhia.

Na estrita condição de instrumento mediúnico, é possível que o nosso Chico Xavier pudesse, digamos, ter produzido um número maior de obras e, do ponto de vista doutrinário, até mais significativas, no entanto ele teve que se desdobrar para servir aos desencarnados, com os quais assumira compromisso, e aos encarnados, a que o dever o conclamava; foi, ao mesmo, um homem vivendo entre os espíritos e um espírito vivendo entre os homens… Os nossos irmãos cépticos são mais sensíveis aos fenômenos que lhes tocam o coração do que propriamente àqueles que lhes tocam a visão e que serão, naturalmente, dissecados por eles: contra os fatos do mundo moral, não existem argumentos da inteligência.

Tomando fôlego, Odilon prosseguiu:
– Infelizmente – perdoem se eu estou me alongando após termos ouvido a palavra do Mensageiro, à qual, a rigor, nada teria a acrescentar –, muitos irmãos candidatos ao serviço mediúnico na Terra partem daqui imbuídos dos mais elevados propósitos, porém, em contato com os interesses de ordem imediata, passam a colocar os seus dons a serviço de si mesmos: fazem discreto profissionalismo religioso, revivendo a velha tendência adquirida em práticas religiosas das quais imaginam que se desvincularam… E não é só de dinheiro que estamos falando – sejamos claros –, mas também de prestígio social, de tráfico de influências, de manipulação de pessoas… Por vezes, em seu arroubo juvenil, eu os noto entusiasmados ante a possibilidade de escrever sob a ação dos desencarnados, de ver o espírito dos mortos, de escutá-los, de curar com o magnetismo que lhes é peculiar, de falar eloquentemente, inspirados pelo Alto… Realmente, o entusiasmo e a alegria são ingredientes indispensáveis ao exercício da mediunidade com Jesus, todavia o mais importante deles é o discernimento. Desenvolvam a autocrítica; não reencarnem sem antes terem gravado nos discos da memória, de forma a que não se apague, a extensão dos débitos contraídos em pregressas existências; fujam ao incenso da lisonja e jamais acreditem que vocês sejam tão bons quanto irão ouvir repetidas vezes… Olhemos para nós: o que somos agora? Sinceramente, não vejo em nenhum de nós outros os traços que identificam o verdadeiro missionário; Se algum, dentre vocês, está pensando em retomar o corpo com outra intenção que não seja a de servir nas últimas fileiras dos verdadeiros servidores do Evangelho, é melhor que repense e adie o seu propósito de renascer… Melhor seria, então, menos desastroso para o espírito, que reencarnasse no cumprimento de obrigações no atendimento exclusivo do próprio carma: que fosse cuidar dos seus interesses particulares na Terra, antes de se disporem a doar um pouco mais de si à coletividade…

Confesso-lhes que, poucas vezes, eu vira Odilon sertão incisivo e direto. Os jovens estagiários do Liceu, sem exceção de nenhum, o ouviam de fronte pendida para o solo.

– Desculpem-me, mas, amanhã, com a permissão do nosso Inácio Ferreira, efetuaremos uma visita ao hospital dirigido por ele. Lá, vocês se depararão com a situação daqueles que, de certa forma, fracassaram em seus propósitos na mediunidade. Creio que vocês não pensam que seja meu intuito intimidá-los; dotados de livre-arbítrio, a decisão evidentemente não me pertence… Prestes, no entanto, a concluir os seus estudos no Liceu, sob a nossa responsabilidade direta, sinto-me no dever de alertá-los. Que o nosso Chico Xavier, em sua humildade, perseverança e disciplina, lhes sirva de exemplo. É possível vencer? Sim, porém, a nossa vitória no mundo só se torna em realidade quando vencemos a nós mesmos. Raros os que, como o nosso grande irmão, fazem opção pela porta estreita… A deficiência moral que a quase todos nos assinala no campo da afetividade – vocês sabem ao que estou querendo me referir – não nos será tão prejudicial ao exercício da mediunidade quanto aquelas outras mazelas que se nos exacerbam do orgulho. O Mestre preferia a convivência dos pecadores à dos doutores da lei; a mulher que escolheu para ser a intérprete das notícias de sua imortalidade gloriosa junto aos Apóstolos ainda trazia em si as marcas do passado comprometedor; para Ele, não interessava o que Saulo havia feito, mas, sim, o que, na condição de Paulo, poderia fazer… Aqui, no Liceu, vocês estão vendo o lado claro da mediunidade; amanhã, no Hospital dos Médiuns, vocês terão oportunidade de ver o seu lado escuro – e não duvidem de que, entre um lado e outro, a distância é tão-somente de um passo; Com enorme facilidade, o médium se esquece de sua origem simples e começa a dar-se uma importância que não tem – a dar-se e a reclamá-la dos outros para si!

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mais-um-leitor-assíduo-do-site
mais-um-leitor-assíduo-do-site
13 fevereiro de 2005 2:51 am

vai continuar a história, correto?

e essa questão da miséria afetiva já virou patologia na sociedade? sinto as pessoas tão agressivas quando olhadas por um estranho ultimamente, mas também já estive do outro lado. vocês percebem isso também?

Saindo da Matrix
Saindo da Matrix
13 fevereiro de 2005 3:52 am

Esse é o último trecho do livro que coloco aqui, senão daqui a pouco vai ter metade do livro online 😀

Radical Chic
Radical Chic
13 fevereiro de 2005 2:17 pm

Leitor assíduo, eu não entendi isso da agressividade… Engraçado que costumam dizer que aqui em SP o povo é mais fechado, carrancudo… sei lá, nunca saí daqui pra saber como é nos outros lugares, mas sou uma das que puxa papo com todo mundo, seja em fila de banco… no mercado, no ponto de ônibus… e nunca senti agressividade nenhuma, pelo contrário! Fico espantada como algumas pessoas se tornam “amigos de infância” a ponto de desabafar com alguém que acabaram de conhecer… e até mesmo abraçar esse mesmo estranho como se fosse alguém da família. E algumas vezes, depois de… Read more »

Kamala
Kamala
13 fevereiro de 2005 3:59 pm

Radical, eu costumo falar mais, conversar, me tornar amiga de infância, como vc falou, com pessoas que são mais soltas, que me deixam mais à vontade. Quando estou com alguém que quase não fala, tbm quase não falo. De um tempo pra cá tenho reparado isso em mim, como fico mais à vontade com certas pessoas do que com outras. De repente as pessoas são mais abertas contigo, pela sua simpatia, pela energia boa que emana. Talvez o mais um leitor assíduo seja mais fechado e as pessoas não se abrem tanto. Acho que isso varia de pessoa para pessoa,… Read more »

BadBlock
BadBlock
13 fevereiro de 2005 8:20 pm

Todo livro espírita que conta uma “história”, muita vezes dita real (ou quase todos, quem sabe), usa uma linguagem que não é a coloquial e muito menos a norma culta. É uma linguagem muito forçada, uns diálogos que parecem que só querem dizer a mesmoa coisa: doutrinar, doutrinar, doutinar. Isso faz com que qualquer pessoa que leia esses “relatos históricos” ache, no mínimo, inverossímil. Se fosse um filme, seria “O Show de Truman”, naquelas cenas em que os “atores” enfiam um merchandising no meio de uma conversa, olhando bem para a câmera. Me deu vontade de escrever isso aqui quando… Read more »

Radical Chic
Radical Chic
14 fevereiro de 2005 9:37 am

“Olvidar” está em todo o canto? Não sei não…

Eu conhecia pq sou descendente de espanhóis e é esse verbo que usam para “esquecer”. Mas nunca havia lido isso em nenhum texto em português.

Argentino
Argentino
5 janeiro de 2011 5:54 am

Oi, Pessoal!

Caso tenham interesse, em fev/2011 começará um curso de mediunidade no IPPB aqui em São Paulo – SP:

Segue o site:

http://www.ippb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10196a&catid=25:sobre-o-ippb

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