O “EU”, POR ALAN MOORE

“O único lugar em que os deuses e demônios existem indiscutivelmente é na mente humana, onde são reais em toda a sua grandiosidade e monstruosidade”.

Alan Moore
O "EU", POR ALAN MOORE

Se no budismo não existe um “Eu”, ainda assim é importante desenvolver sua pessoa (seu aglomerado que se identifica com um “Eu”) para transcender os limites impostos pela ilusão. No ocidente, onde acreditamos numa alma imortal, enfrentamos um desafio semelhante; No caso, o corpo e as formas materiais nos embotam a consciência (bloqueando as “portas da percepção”) e nos “afastam” do contato com nosso verdadeiro “Eu”, a alma. Mas engana-se se pensam que a alma é sempre um gasparzinho com sua imagem e semelhança, dentro de seu corpo de carne. Por isso vamos dar a palavra ao Mago Merl…, digo, Alan Moore, no documentário The Mindscape of Alan Moore:

Alan Moore playmobil
I’m turned on. Wanna play?

“Quando cumprimos a vontade de nosso verdadeiro Eu, nós estamos inevitavelmente cumprindo com a vontade do universo. Na magia ambas as coisas são indistinguíveis. Cada alma humana não é, de fato, UMA alma humana: é a alma do universo inteiro. E, enquanto você cumprir a vontade do universo, é impossível fazer qualquer coisa errada.

Muitos dos magos como eu entendem que a tradição mágica ocidental é uma busca do Eu com “E” maiúsculo. Esse conhecimento vem da Grande Obra, do ouro que os alquimistas buscavam, a busca da Vontade, da Alma, a coisa que temos dentro que está por trás do intelecto, do corpo e dos sonhos. Nosso dínamo interior, se preferir assim. Agora, esta é particularmente a coisa mais importante que podemos obter: o conhecimento do verdadeiro Eu.

Assim, parece haver uma quantidade assustadora de pessoas que não apenas têm urgência por ignorar seu Eu, mas que também parecem ter a urgência por obliterarem-se a si próprias. Isto é horrível, mas ao menos vocês podem entender o desejo de simplesmente desaparecer, com essa consciência, porque é muita responsabilidade realmente possuir tal coisa como uma alma, algo tão precioso. O que acontece se a quebra? O que acontece se a perde? Não seria melhor anestesiá-la, acalmá-la, destruí-la, para não viver com a dor de lutar por ela e tentar mantê-la pura. Creio que é por isso que as pessoas mergulham no álcool, nas drogas, na televisão, em qualquer dos vícios que a cultura nos faz engolir, e pode ser vista como uma tentativa deliberada de destruir qualquer conexão entre nós e a responsabilidade de aceitar e possuir um Eu superior, e então ter que mantê-lo.

Tenho estudado a escola da história do pensamento mágico e o ponto em que começou a dar errado. No meu entender, o ponto em que começa a dar errado é com o monoteísmo. Quero dizer, se olhar a história da magia, verá suas origens nas cavernas, verá suas origens no xamanismo, no animismo, na crença de que tudo o que te rodeia, cada árvore, cada rocha, cada animal foi habitado por algum tipo de essência, um tipo de espírito com o qual talvez possamos nos comunicar. E ao centro você tinha um xamã, um visionário, que seria o responsável por canalizar as idéias úteis para a sobrevivência. No momento em que você chega às civilizações clássicas, verá que tudo isto foi formalizado até certo grau. O xamã atuava puramente como um intermediário entre os espíritos e as pessoas. Sua posição na aldeia ou comunidade, imagino, era a de um “encanador espiritual”. Cada pessoa no grupo devia ter seu papel: A melhor pessoa durante uma caçada tornava-se o caçador, a pessoa que era melhor pra falar com os espíritos, talvez porque ele ou ela estivesse um pouco louco, um pouco separado do nosso mundo material normal, eles tornavam-se os xamãs. Eles não seriam mestres de uma arte secreta, mas sim os que simplesmente espalhariam sua informação pela comunidade, porque se acreditava que isto era útil para todo o grupo. Quando vemos o surgimento das culturas clássicas, tudo isso se formalizou para que houvesse panteões de deuses, e cada um destes deuses tinha uma casta de sacerdotes, que até certo ponto atuariam como intermediários, que te instruiriam na adoração a estes deuses. Então, a relação entre os homens e seus deuses, que pode ser vista como a relação entre os humanos e seus “Eus” superiores, não era todavia de um modo direto.

Quando chega o cristianismo, quando chega o monoteísmo, de repente tem uma casta sacerdotal movendo-se entre o adorador e o objeto de adoração. Tem uma casta sacerdotal convertendo-se em uma espécie de gerência intermediária entre a humanidade e a divindade que está se buscando. Já não se tem mais uma relação direta com os deuses. Os sacerdotes não têm necessariamente uma relação com Deus. Eles só têm um livro que fala sobre gente que viveu há muito tempo atrás que teve relação direta com a divindade. E assim está bom: Não é preciso ter visões milagrosas, não é preciso ter deuses falando contigo. Na verdade, se você tem algo disto, provavelmente está louco. No mundo moderno, essas coisas não acontecem; as únicas pessoas as quais se permite falar com os deuses, e de um modo unilateral, são os sacerdotes. E o monoteísmo é, pra mim, uma grande simplificação. Eu quero dizer, a Cabala tem uma grande variedade de deuses, mas acima da escala, da Árvore da Vida, há uma esfera que é o Deus Absoluto, a Mônada. Algo que é indivisível, você sabe. E todos os outros deuses, e, de fato, tudo mais no universo é um tipo de emanação daquele Deus. E isto está bem. Mas, quando você sugere que lá está somente esse único Deus, a uma altura inalcançável acima da humanidade, e que não há nada no meio, você está limitando e simplificando o assunto.

Eu tendo a pensar o paganismo como um tipo de alfabeto, de linguagem. É como se todos os deuses fossem letras dessa linguagem. Elas expressam nuances, sombras de uma espécie de significado ou certa sutileza de idéias, enquanto o monoteísmo é só uma vogal, onde tudo está reduzido a uma simples nota, que quem a emite nem sequer a entende.”

Alan Moore

bandeira da espanha Ler em espanhol (por Teresa)

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Alexandre SilverFox
Alexandre SilverFox
28 março de 2009 7:30 pm

muito interessante a visão do tio Alan…

paganismo, panteismo, animismo, xamanismo… acredito que estes tipos de manifestação podem essencialmente estarem mais próximas da verdade por terem surgido por “feeling”, intuição, olhar para algo e perceber Deus naquilo… nada de sofisticações teóricas…

Olim
Olim
31 março de 2009 3:17 pm

“Quando cumprimos a VONTADE de nosso verdadeiro Eu, nós estamos inevitavelmente cumprindo com a VONTADE do universo. Na magia ambas as coisas são indistinguíveis. Cada alma humana não é, de fato, UMA alma humana: é a alma do universo inteiro. E, enquanto você cumprir a VONTADE do universo, é impossível fazer qualquer coisa errada.” (Coloquei em caixa alta a palavra vontade) Num sei, não, mas acho que a palavra VONTADE, ao meu ver, não se encaixa bem à idéia do Ser… Acho que a VONTADE é justamente o fator que camufla a verdade da Verdade, o que É daquilo que… Read more »

...
...
31 março de 2009 10:06 am

Eu amei o post.

Eu pergunto ao católico ou ao protestante…
Uma árvore tem alma?
Muitos deles respondem que não.
São muito voltados para si próprios, a própria espécie como imagem e semelhança do Deus Onipotente.
Gosto mais da idéia xamanica de que Deus é/está em todas as coisas.

Lex
Lex
31 março de 2009 12:48 pm

Acid assistiu o vídeo da Monja… garanto que tu vai achar legal…

Ela é muito divertida… longe da figura das monjas austeras e acéticas…

Fausto
Fausto
31 março de 2009 3:24 pm

Olim,

Acho que voce está confundindo Vontade com Desejo.

Este é um conceito amplamente duscutido entre os estudantes de Thelema.

A vontade é uma força relativa ao espirito, diferente dos desejos e capricho humanos que temos.

Vontade pode ser entendido como uma força muitas vezes inconsciente que faz parte do SER.

Olim
Olim
31 março de 2009 4:30 pm

Oi, Fausto… Pode ser até que eu esteja confundindo Vontade com Desejo, de acordo com os conceitos amplamente discutidos pelos estudantes de Thelema… Mesmo que seja uma força atinente ao espírito, acho que esse mesmo espírito ainda nada pode Ser o Que É pela vontade(espiritual). O Ser não poderia estar limitado pelo espírito e sua vontade; bem como pelo desejo, de sua mente; de suas posses, do corpo… Se há vontade, desejo, finalidade, conceituação e etc. a respeito do espírito, corpo, mente, alma e etc. é porque ainda é ilusório o estado de Ser. Acho que o Ser seja “algo”… Read more »

Anônimo
Anônimo
31 março de 2009 4:34 pm

(fora do tema)

Já viu os 10 de “The Matrix” (filme) associados à entrada na era Aquário?

Há mais fatos relacionáveis…

Fausto
Fausto
31 março de 2009 4:48 pm

Olim,

neste ponto concordo contigo, podemos estudar muito, meditar, mas ainda são nossas mentes humanas que tentam compreender algo não fĩsico, não temporal, nada parecido com o que conhecemos e portanto impossivel de traduzir e entender.

Podemos chegar perto, entender alguns fragmentos, nada alem disso.

Eis o grande misterio e a grande aventura que somos nós

Fausto
Fausto
31 março de 2009 4:52 pm

E digo mais, depois que morrermos, vamos entender os misterios dessa vida, mas tem muitas outras etapas até chegar LÁ !

A aventura e o misterio continuam.

Lia
Lia
31 março de 2009 7:04 pm

O artigo que o Alexandre SilverFox postou é fantástico. Vou precisar de mais umas lidas pra digerir direito.
E tinha ouvido tão pouco sobre Wheeler quanto Tesla. Que pessoinhas obscuras.

Fiat Lux
Fiat Lux
1 abril de 2009 9:25 am

Não tem pegadinha hj Acid????

Mcnaught
Mcnaught
1 abril de 2009 12:24 pm

Não tem pegadinha…

Huumm… aqui, outro leitor na espreitadela rsrs.

[]´s

Saindo da Matrix
Saindo da Matrix
1 abril de 2009 3:24 pm

Eu nem lembrava que era primeiro de abril até vcs falarem… agora com todo mundo sabendo não tem graça fazer nada.

leonardo
leonardo
8 abril de 2009 9:23 pm

Achei interessante essa omparação entre politeismo X monoteismo. Existe uma ideia difundida pela qual, o monoteismo, seria uma evolução em relação ao paganismo. Mas realmente, com o formalismo das religiões, perdeu-se aquele sentimento de sentir-se maravilhado com a criação e sentir a presença do Todo em tudo. Acredito que o mais próximo que qualquer religião pode chegar de Deus, é fazer o homem crer-se divino. Sentir a divindade dentro de cada um de nós é o mais próximo que podemos estar de Deus e início do único e verdadeiro compromisso com o Mesmo.

Found Paradise
Found Paradise
12 abril de 2009 1:49 pm

Apenas uma observação: o monoteísmo não é sequer uma vogal. É uma consoante. Não emite som algum, mas excerce de tal forma seu poder de ilusionistmo que faz com que todos creiam que ouvem algo. O monoteísmo é a arte de controlar a histeria coletiva a partir do tipo de charlatanismo mais antigo da história da humanidade: a promessa de retorno ao Paraíso Perdido.

Rosani
Rosani
28 junho de 2009 5:27 pm

Acho que Alan Moore esqueceu da magia do sacro ofício.

Hounston Santos
Hounston Santos
29 novembro de 2010 12:06 pm

Alan Moore é gênio!#Fato

Maycon
Maycon
31 março de 2009 2:30 pm

Acid!

Você conhece a Logosofia?
Você bem que poderia falar um pouco dela aqui no Saindo da Matrix!
Gostaria de saber a sua opnião a respeito!

Um abraço!

Saindo da Matrix
Saindo da Matrix
31 março de 2009 1:55 pm

Assisti, sim! Bem legal, ela. Aliás, todos os monges budistas aqui no Brasil que eu vejo na TV ou conheço são bem-humorados, com um astral muito legal.

daniela oliva
daniela oliva
31 março de 2009 8:18 am

Amei vc colocar músicas….ótima idéia

Para o Alexandre,que gostou do Enigma…tem uma música:
The dream of the dolphins,que achei fantástica….

beijos

Alexandre SilverFox
Alexandre SilverFox
28 março de 2009 7:32 pm

em tempo:

Acid, obrigado pela trilha sonora disponibilizada;

foi um prazer conhecer “Enigma”

Jorge
Jorge
28 março de 2009 7:38 pm

nao consegui ouvir

Anônimo
Anônimo
28 março de 2009 7:58 pm

“não sei se foi Deus quem criou meu cérebro ou foi meu cérebro que criou Deus”…hmmm…mais um dilema de tostines.. :p

(sou fã do Enigma):)

O Ciber-Ativista
O Ciber-Ativista
28 março de 2009 8:25 pm

eu acredito que não há o certo ou o errado (nao vou divagar sobre eles) mas que existem caminhos diferentes e necessários para cada época e para cada indivíduo entender, captar, sentir a essência do espirito universal ou algo mais…mas cada caminho tem sua própria particularidade, sua própria paisagem, sendo mais tortuoso ou não…

no mais, novamente um ótimo artigo!

ABS

João
João
28 março de 2009 9:32 pm

válido!
http://www.youtube.com/watch?v=vX1CvW38cHA
ai está um outro exemplo válido!

adriano
adriano
28 março de 2009 11:06 pm

haha, legal seu interesse no alan moore, baixei e assisti o documentário, quando você recomendou naquele post. Muito bom!

Jota
Jota
29 março de 2009 12:35 am

É uma pena que o espiritismo seja ianda tão pouco conhecido entre as mentes brilhantes, pois sempre haveria em seus textos um porém quando se fala de crsitianismo. Muitos iriam saber que nem tudo que veio depois do cristianismo primitivo foi formatado por católicos ou protestantes. Esse artigo mostra isso de forma bem clara: que só se conhece do cristianismo aquilo que as igrejas mostram…

FEO521
FEO521
29 março de 2009 2:57 pm

Tratando de simplificando estagios de Deuses ao Deus Absoluto essa ideia eh boa, mas q a igreja catolica e talz esta simplificando isso, acho q naum . acho q ela “troca” os SemiDeuses por Santos pq na real, que pede uma graça a uma entidade divina sabe q ela vem de uma forma ou de outra. Alguns chamam de força da subconciencia outros chama de compaixao de Deus e alguns acreditam ser coincidencias.Mas a lógica eh q existe o meio.Muito feiz fico em poder postar. XD

Lia
Lia
29 março de 2009 3:34 pm

É, eram nos santos que eu estava pensando, como intermediários “alternativos” ao sacerdotes. No Brasil em especial é fácil de observar o quanto.
E realmente, independente do formato, a força por trás das realizações (seja essa um algoritmo aleatório ou uma energia metafísica) é a mesma.

Concordo com o Mestre-Sem-Barbeador no ponto de que religiões panteístas são mais acessíveis pela relação direta com as entidades.

Mas é claro que religião mais fácil ou difícil não procede né, é questão de aptidão.

Test Pilot Yui
Test Pilot Yui
29 março de 2009 10:11 pm

O “Eu” trabalha em muitas funções ao mesmo tempo. Ele experimenta cada momento de uma forma especial. As vezes ele decide experimentar o subconsciente e então temos sonhos subconscientes, que são os sonhos delirantes que pouco têm a ver com nossas vidas. As vezes ele decide experimentar o consciente e então durante a noite temos os sonhos conscientes que no judaísmo são chamados de sonhos vívidos. Aí temos as premonições e outras vivências nesse sentido…

felipe baltar
felipe baltar
30 março de 2009 10:22 am

oi. eu tenho quase certeza que era tu que estava na reuniao da pós em jung, no caps casa forte, semana passada. era?
se sim, me add ai no msn pra gente trocar uma ideia!

George Luiz
George Luiz
30 março de 2009 11:27 am

Só sei que nada sei …

=]

Seeker
Seeker
30 março de 2009 3:47 pm

Aquele que julga saber, não sabe. Aquele que sabe não saber, este sim, sabe.

Lex
Lex
30 março de 2009 6:26 pm

“Quando cumprimos a vontade de nosso verdadeiro Eu, nós estamos inevitavelmente cumprindo com a vontade do universo.”

Muito Zen…

Parece que existe muita sintonia entre o texto e a prática Zen Budista…

Alexandre SilverFox
Alexandre SilverFox
30 março de 2009 6:38 pm

off topic

casando ciência e espiritualidade:

http://www.youtube.com/watch?v=BwmHlFAQ-MQ&feature=related

Gregg Braden, taí um cara visionário… vale a pena!

Alexandre SilverFox
Alexandre SilverFox
30 março de 2009 8:25 pm

existe um universo, se nós não estivermos olhando?

teorias e pensamentos de John Wheeler, fisico teórico e contemporâneo de Bohr e Einstein…

http://discovermagazine.com/2002/jun/featuniverse/article_view?b_start:int=0&-C=

Lex
Lex
30 março de 2009 9:21 pm

Nem tão Off topic assim: Zen Surfismo… Por algum tempo será disponibilizado ao vídeo da entrevista da querida professora do Dharma deu para uma estação de televisão do Rio Grande do Sul… a Entrevista é sobre o “Surf como uma experiência Zen” e passou na TVCom do RS, no programa Estilo Zen (ainda deve repetir hoje (2a feira) às 17:30 hs e na 4a-feira às 10:15 hs. Mas se você lêr nas entrelinhas não fala só de Surf ou de Zen, mas de como lidar com a vida… Como viver o momento… http://mediacenter.clicrbs.com.br/templates/player.aspx?uf=1&contentID=57066&channel=41 Sugiro assistir sem preconceitos ao surf e… Read more »

Coringa
Coringa
29 agosto de 2010 5:34 pm

Gostei desse documentário com Alan Moore, Acid.

Valeu!

abs

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