AUTISMO – ENTRANDO NA CAVERNA?

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Ricardo vivia literalmente com a cabeça nas nuvens. Ele tecnicamente não era autista, mas podia ser, quando quisesse. Entrava e saía de seu mundo particular, e às vezes mesclava um com o outro sem que ninguém o percebesse.

Sua família chamava essas suas escapadas de “viagens”. Felizmente nunca chamaram um padre para exorcizá-lo. Ele se lembra que fazia isso desde os 10 anos. Mas nunca usou ou teve curiosidade de usar drogas. Nem precisa, afinal ele podia criar toda a Terra Média de Tolkien na cabeça e passear por ela, sentindo a brisa no rosto, a umidade da floresta, o perfume e a textura das plantas. Interessante que essas sensações não passavam pelos nervos, mas eram criadas diretamente em seu cérebro. Era real a ponto de sentir frio ou calor, mas sem que o corpo reagisse a isso. Achava estranho as pessoas precisarem usar drogas pra “ver coisas novas”, quando esta já é uma capacidade inerente ao ser humano.

Pra “viajar”, tudo o que ele precisa é fazer o corpo vibrar. Pra isso, antigamente movia os braços vigorosamente, e prendia a respiração por longos períodos. Com o tempo, ele aprimorou a técnica, bastando apenas contrair todos os músculos e fazendo o corpo vibrar quase que (ok, não muito) imperceptivelmente. Ainda assim o dispêndio de energia é grande, e talvez por isso seja tão magro. O interessante disto é que as pessoas que fazem viagem astral conscientemente precisam fazer exercícios pra elevar a vibração do corpo (e, consequentemente, do perispírito) para acessar outros planos (mas Ricardo não faz projeção astral consciente).

Há um quase “abandono” do corpo ao fazer estas viagens. Isso traz um certo embaraço se ele fizer isso em locais públicos, pois o rosto fica meio abobalhado, com olhos esbugalhados e boca pendente…

Seus dedos ficam esticados involuntariamente, especialmente o indicador, o médio e o polegar, que são exatamente os 3 mais fortes para absorção / expulsão de energia. Uma das mãos fica involuntariamente em posição de mudrá, mais especificamente o Ardhapataka mudrá e o Chandrakála mudrá. Esses mudrás são gestos de mãos milenares, criados na Índia, e funcionam como captadores e redirecionadores de energia. Obviamente ele não sabia disso. Outra característica dele é que seus chakras são bem desenvolvidos, a ponto de absorver (sem querer) a energia do ambiente. Tanto é que não gosta de multidões.

Sua percepção de mundo não era muito normal. Pensava sempre sobre o que estava acontecendo nas dimensões invisíveis e, apesar de ser invisível para ele também, ele as imaginava vividamente, utilizando seus recursos de “emulação” da realidade. É incrível como ele podia criar um sistema caótico sem esforço, afinal, bastava criar, ditar as leis que regeriam a “matéria” e pronto. O sistema se auto-geria. Obviamente que sua idéia de Deus era exatamente essa: Nós estaríamos na mente de algo / alguém mais poderoso, que criou o Universo, ditou as regras e agora está só “curtindo” a evolução de sua Criação.

Pesquisando a respeito de projeção, que geralmente é rotulada como o “mundo dos sonhos”, vemos que no filme Waking Life percebe-se que o mundo dos sonhos é vivido em múltiplas dimensões. Não há o tempo linear, e não há um ponto x, y, onde a pessoa esteja situada. É comum estar em dois locais ao mesmo tempo, vendo o mesmo acontecimento de ângulos diferentes. Ricardo fala que em seu mundo podia estar dentro de um Fórmula 1, concentrado na pista, mas ao mesmo tempo poderia acompanhar as pedrinhas que rolavam pra fora do asfalto com o passar do carro. Isso poderia ser explicado pela escola do budismo, que diz que o EU (ego) é um ponto no espaço, uma gota d’água separada do oceano, que não passa de uma ilusão desse nosso plano de existência. Como se a mente atrasada, por não compreender o infinito, tivesse de se fechar num casulo para dizer “isto sou eu”. Como um morcego que, por não aguentar a luz, teve de se adaptar aos outros sentidos. Ao acessar planos superiores, essa limitação some, e mentes mais preparadas – assim como pássaros com asas mais fortes – podem experimentar vôos mais altos (e para mais longe).

Foi difícil para Ricardo se adaptar às limitações do mundo real. Quase não tinha amigos, pois não podia abrir seus questionamentos para eles (ou o taxariam de louco). Com 15 anos estudava com afinco civilizações antigas, extraterrestres, espiritismo, qualquer coisa que o ajudasse a responder “o que” ele era. Talvez para compensar a solidão, sua mente criou 3 novas personalidades para discutir assuntos ditos “transcendentais”. Cada uma com um ponto de vista, e poderia passar horas filosofando com essas vozes, que ouvia em sua mente. Mas ele nunca preferiu essas vozes às pessoas reais, de fato. Tanto é que, quando conseguiu se juntar a um grupo com “cabeça mais aberta”, essas vozes foram desaparecendo, até restar uma, que funciona como a “voz da consciência”, e o manda entrar nos eixos toda vez que Ricardo pensa em fazer algo errado (por mais bobo que seja).

Analisando o caso clinicamente, percebe-se diversas semelhanças com a síndrome de Asperger, uma variante mais leve do Autismo. A pessoa consegue entrar e sair de seu mundo, mas possui dificuldades de relacionamento, de fala, de falta de concentração, etc. Há também casos que estão no limite da normalidade, seja na Síndrome de Asperger, no Borderline ou no DDA (Distúrbio de Déficit de Atenção), um dos quais talvez seja o caso de Ricardo. Não se sabe se essas síndrome são genéticas, mas um dado interessante é que o irmão de Ricardo (quase 1 década mais novo) praticamente nasceu “viajando”. Com menos de 1 ano já movia alucinadamente os braços e ficava com os olhos fixos no vazio. Ele também desenvolveu a técnica de usar um galho de coqueiro para canalizar sua energia enquanto está em seu “mundinho”.

Entrando na caverna

Seria uma patologia clínica, ou uma característica não-usualmente explorada do cérebro? Isso nos remete à velha discussão do mundo das idéias, iniciada com Sócrates a 250 a.C. Segundo Platão, em sua alegoria da caverna, o que vivemos aqui (neste plano) nada mais é do que uma veste grosseira para algo que está situado no mundo das idéias.

Já para os cabalistas, na visão dos quatro mundos, a essência de todas as coisas (Arquétipo?) estaria em Azilut (o mundo das emanações, onde tudo existe em essência), seria criado em Beriah (o mundo da criação), formado em Yetsirah (plano astral?) e finalmente manifestado aqui em Assyah (o mundo material, onde estamos).

Para Sócrates e os cabalistas, a “idéia cavalo” existe antes mesmo do animal cavalo. Então, quem o concebeu? Não seria então mera coincidência que os primeiros experimentos com o avião e com o rádio tenham acontecido em vários pontos do mundo ao mesmo tempo? A criação se processa, de fato, no campo mental e depois para o físico? Então, e se esse “campo mental” for na verdade um físico mais sutil, mais maleável, moldável pelo poder da mente? O registro ficaria lá, para quem pudesse acessá-lo e de alguma forma transportá-lo para sua forma mais densa / material. O pensamento seria o instrumento que molda essa matéria mais sutil, agregando seus “átomos” (ou o que quer que seja) através da energia da mente. Enquanto a mente manter o pensamento, essa forma existirá. É assim que essas idéias – que têm o nome de “formas-pensamento” na terminologia dos que lidam com esoterismo – são criadas. Casas, roupas, armas e até mesmo as formas das pessoas do “lado de lá” são moldadas com a mente.

Em setembro de 2001 cientistas suíços publicaram na Revista Nature um estudo onde acreditam ter identificado a área do cérebro onde são desencadeadas as chamadas “Experiências fora do corpo“. Enquanto eles usavam eletrodos para estimular o cérebro de uma paciente com epilepsia durante um tratamento, a mulher começou a descrever a sensação de ter deixado seu corpo e estar flutuando sobre ele. Segundo os médicos, isso sugere que a experiência esteja relacionada a uma parte específica do cérebro.

Justamente a cognição espacial. O que nos define num ponto cartesiano. A noção do EU estou AQUI. Então, ao sonhar rompemos esta barreira, inclusive a do tempo. É muito comum vermos anos passando em segundos, acontecimentos simultâneos, e aquilo, pra quem está sonhando, é bastante natural.

A questão aqui é: até que ponto uma pessoa com Autismo é um doente que precisa ser forçado a conviver em nossa realidade? O Autista se tranca em seu mundo, mas não conhecemos seu mundo. O que ele é? Como se parece? São respostas que talvez nunca descobriremos. Mas podemos pegar algumas elucidações na Alegoria da Caverna, de Platão. Pensem no autista aqui como a pessoa que enxerga a luz, e é forçado (pelas circunstâncias, ou mesmo por remédios) a encarar a “realidade”:

Sócrates – Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?
Glauco – Por certo que sim.
Sócrates – E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois se habituar à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?
Glauco – Sem nenhuma dúvida.

Não é à toa que as pessoas autistas são tão sensíveis. Elas se acostumaram a um mundo sutil, sem estímulos grosseiros, mecânicos ou neurológicos, desenvolvendo tão somente a mente a um ponto que, mesmo o pensamento de raiva dirigido a ela pode vir a machucá-la. Não seria o autismo uma espécie de adaptação a um mundo novo, mais rude e menos sutil? Os verdadeiros artistas (pessoas inspiradas) são normalmente sensíveis e meio deslocadas da realidade, embora convivam bem com ela. Com base na reencarnação, pergunto: Seriam os autistas de hoje os grandes artistas de amanhã? Estariam eles descendo pra caverna, ou saindo dela?

Importante dizer que, no livro Deficiente Mental – Porque Fui Um, de Vera Lucia Marinzeck, vemos que nem sempre tem de haver uma causa espiritual para todos os problemas mentais:

“Porque é difícil nós, na roda dos renascimentos, sermos totalmente isentos de erros. Pode acontecer até um acidente que danifique o feto (o corpo físico), e o perispírito ser e continuar perfeito. Muitas vezes amigos do reencarnante podem desligá-lo da matéria defeituosa, porque, se ele tiver algo para realizar, não será possível num corpo deficiente. Há então o desencarne e ele fará nova tentativa. Ou então esse espírito aproveita a oportunidade e faz da deficiência um grande aprendizado.”

Vera Lucia Marinzeck

Acho essa visão meio cruel com quem está passando por isso (especialmente pra família, que provavelmente encontraria conforto na Lei do karma), mas acho bastante plausível que, numa “linha de produção” de milhões de humanos é natural que haja erros, até porque nem todos os espíritos têm o privilégio de ter uma encarnação totalmente planejada, com concepção assistida no plano espiritual, e tal… e mesmo que tenha, ainda assim pode haver imprevistos.

bandeira da espanha Ler em espanhol (por Teresa)

Referência:
Autismo: uma Leitura Espiritual; Hermínio C. Miranda;
History’s 30 Most Inspiring People on the Autism Spectrum;
7 Famous People With Autism Spectrum Disorder

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Carlos Antônio de Oliveira Barbosa
Carlos Antônio de Oliveira Barbosa
27 agosto de 2021 6:59 pm
Reply to  Acid

sim, somos muitos!

Skywalker
Skywalker
9 julho de 2022 1:55 pm
Reply to  Acid

Interessantíssimo Acid! Não assisti o vídeo (ainda), mas vale mais sobre esse assunto – principalmente sobre como aproveitar a neurodivergencia produtivamente, como um superpoder e não como um fardo, problema ou “doença”. Abraço, rapaz!

Skywalker
Skywalker
9 julho de 2022 1:56 pm
Reply to  Skywalker

** … fale mais sobre esse…

Skywalker
Skywalker
9 julho de 2022 6:35 pm
Reply to  Acid

F A N T À S T I C O
esse documentário Acid! Não consegui parar, fascinante, ver e ouvir pessoas REAIS falando desse assunto.

Curiosidade: vc foi diagnosticado há muito tempo? Como lidou com o pós diagnóstico?

Anônimo
Anônimo
18 maio de 2011 6:25 pm

ps: Lista de filmes sobre autismo: http://bit.ly/msMy7T

Coringa
Coringa
18 maio de 2011 6:14 pm

Neurodiversidade: O termo ‘neurodiversidade’ foi cunhado pela socióloga australiana e portadora da síndrome de Asperger Judy Singer, em 1999, em um texto com o sugestivo título de Por que você não pode ser normal uma vez na sua vida? De um “problema sem nome” para a emergência de uma nova categoria de diferença (Singer 1999). Mas o que é a neurodiversidade, quem são os indivíduos que se referem a esse termo como critério de identificação? Como lemos no início, “neurodiversity” — “neurodiversidade” — na Wikipedia e nas dúzias de sites dedicados ao movimento, é um termo que tenta salientar que… Read more »

Martyn
Martyn
2 abril de 2011 9:02 pm

parabens Acid !!! 😀

Acid
Acid
11 abril de 2018 9:42 pm

Elon Musk exibia todas as características de um menino curioso e cheio de energia. Aprendia com facilidade, e Maye, como fazem muitas mães, classificou o filho como brilhante e precoce. “Ele parecia entender as coisas mais rapidamente que as outras crianças”, disse ela. O desconcertante era que Elon parecia divagar num transe de vez em quando. As pessoas falavam com ele, mas de nada adiantava quando estava com um olhar distante. Isso acontecia com tanta frequência que os pais e os médicos acharam que ele podia ser surdo. “As vezes, ele simplesmente não ouvia você”, contou Maye. Fizeram uma série… Read more »

Skywalker
Skywalker
9 julho de 2022 1:59 pm
Reply to  Acid

Bela história. Pena que 99% dos neurodivergentes não tenham o contexto favorável para florescer que o Elon teve. Nesse ponto, estamos ainda na idade da pedra, ralando e muito!

xXx
xXx
5 outubro de 2009 9:35 am

Normal mas contando pelo seguinte 26 pontos minimos que indicam caminhos que podem ser criados realidades ou que podemos ir reencarnar ou existir contando em leveis 1,2,3,4,5,6,7,8,9 deve ter infinitos podendo subir ou descer nunca quiseram de jogar snes enquanto tinham ps2? Nao acho que um karma iria prejudicar acho que ele simplesmente é um sistema de justiça é difícil de explicar nao é bem como vcs falam mas é parecido, mas tem uma questão nos podemos criar quantas realidades quisermos ate alterar esta é extremamente fácil o problema é que nao consideramos a nossa criatividade de criança quando crescemos… Read more »

Nessa
Nessa
2 outubro de 2006 2:59 pm

qdo eu era pré-adolescente, às vezes pensava que era autista ou que tinha algum problema desses ditos “sérios” e ninguém tinha descoberto.

Déa
Déa
16 agosto de 2006 1:21 am

Menino… É mesmo muita informação junta para minha cabecinha lenta. Bom, só penso que não consigo achar um “erro” o nascimento de pessoas, digamos, “diferentes”, do que consideramos ser o padrão normal de comportamento. E de perto, alguém é mesmo normal??? E quem pode afirmar que não são, na verdade, melhoraramentos, aperfeiçoamentos, ajustes que Deus faz, de quando em quando??? Aqui tem é muita coisa para pinha cabecinha lenta pensar. Parabésn e abraços

Paulinha
Paulinha
23 julho de 2006 2:59 pm

Puxa! Muito bommmmm o post!
No “A questão aqui é: até que ponto uma pessoa com Autismo é um doente que precisa ser forçado a conviver em nossa realidade?”
Pois é..se estiver proporcionando bem estar e o autista estiver feliz. Eu não sei se tiraria isso dele.
Acho que está mais pra saindo da caverna do que entrando.
😉

Thiago
Thiago
23 julho de 2006 11:57 am

Acid, já venho acompanhando seus posts a algum tempo. Tem coisas bem interessantes e que muitas vezes vão de acordo com coisas que acredito. Este post como todo achei muito bom, mas uma coisa veio a mente num ponto específico. A respeito de: “Os verdadeiros artistas (pessoas inspiradas) são normalmente sensíveis e meio deslocadas da realidade, embora convivam bem com ela.” Como essas pessoas conseguem adentrar em seus mundos internos e retornam para esta realidade, de maneira mais fácil do que a grande maioria das pessoas, elas conseguem retratar em suas artes tudo aquilo experimentado em seu mundo interior. Elas… Read more »

jummenta
jummenta
23 julho de 2006 11:44 am

m\ssa porem complicado

Raphael
Raphael
12 agosto de 2006 6:15 am

“….mas acho bastante plausível que, numa “linha de produção” de milhões de humanos é natural que haja erros, até porque nem todos os espíritos têm o privilégio de ter uma encarnação totalmente planejada, com concepção assistida no plano espiritual, e tal… e mesmo que tenha, ainda assim pode haver imprevistos.” 😕 Na boa Acid… do jeito que está colocado parece q viemos duma fábrica situada no além, com todos problemas que encontramos numa “linha de produção terrestre”, onde o caos e a incompetencia imperam… Consigo até ouvir o Diretor desta fábrica dizendo aos funcionários: “Bom pessoal o negócio é o… Read more »

Cris
Cris
25 julho de 2006 12:21 pm

Ontem por acaso assisti Rain Man na WBT.
Gostei do post.

Att.

Darwen
Darwen
24 julho de 2006 12:05 am

Muito útil o seu blog/site! li praticamente todos os posts e gostaria que vc esclarecesse algumas dúvidas minhas a respeito de desdobramento e algumas técnicas pra fazê-lo.
Beijus – ah adorei o video ” universos paralelos” que vc deixou aqui!!!!

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