O ÚLTIMO DISCURSO

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Proferido no final do filme O grande Ditador, é um dos mais belos textos pacifistas já escrito, um legado para todas as gerações. Não ficou preso a um contexto social ou político, nem ficou parado no tempo. Chaplin, que nasceu 4 dias antes de Hitler, resolve neste filme imitar e ridicularizar o Ditador enquanto ele era o homem mais poderoso do mundo (1940). Contrariando todas as expectativas, o Führer não só gostou do filme, como o assistiu duas vezes em seu cinema particular, mas o Partido Nazista decretou Chaplin inimigo da Alemanha e tentou impedir que a população do país assistisse ao filme que “transformava o Reich num circo de personagens excêntricos e bobos”. O Grande Ditador também foi banido em diversas cidades dos Estados Unidos, já que naquela época os EUA não tinham entrado na guerra e muitos norte-americanos não queriam que o país se envolvesse com os “problemas da Europa”.

Todos nós queremos paz e esperança. Todos queremos um mundo melhor para os nossos filhos… Mas nos acomodamos nas trincheiras dos sentidos. Por que amar, se é mais fácil odiar? Por que ajudar, se é mais fácil ignorar? Por que lutar, se podemos aguardar em nossos bunkers que o bombardeio acabe e não sobre mais nada a ser destruído?

O discurso do barbeiro que é confundido com Hitler, no final, é pacifista mas não é covarde ou acomodado. É de ação. É uma convocação à luta. Sim, uma convocação à boa luta, como disse Paulo de Tarso em Timóteo 4:7, e como fez Gandhi, durante toda a sua vida pública. Lutemos, pois!


Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio… negros… brancos. Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar ou desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover todas as nossas necessidades.

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O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma do homem… levantou no mundo as muralhas do ódio… e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas duas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-se muito mais. A próxima natureza dessas coisas é um apelo eloquente à bondade do homem… um apelo à fraternidade universal… à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhões de pessoas pelo mundo afora… milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas… vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis!” A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia… da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem os homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais… que vos desprezam… que vos escravizam… que arregimentam as vossas vidas… que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como um gado humano e que vos utilizam como carne para canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar… os que não se fazem amar e os inumanos.

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas é escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou um grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela… de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo… um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

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É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos.

Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontres, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergues os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!

Referência:
DW – Charlie Chaplin, Adolf Hitler e o cinema;
Hitler assistiu O Grande Ditador em cinema particular;
Chaplin fala sobre ameaças que recebeu após O Grande Ditador

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Nani
Nani
24 março de 2006 2:53 pm

Não é por nada, não, pode ser coincidência ou o que for, quando já estava no meio do post, percebi que ao fundo, no cd da Legião Urbana que eu ouvia, estava tocando “Soldados”. Deu até um arrepio!!!

Geninha
Geninha
12 abril de 2022 7:45 pm
Reply to  Nani

Gosto do poema “Canção do exílio”, mas a música acima tem o assobio, o cavaquinho, as paisagens…. A música Metal Contras as Nuvens tem a mesma batida… “sempre precisei…”
https://m.youtube.com/watch?v=B6iuIssVqRA

Raphael
Raphael
22 dezembro de 2006 10:03 pm

Título muito bem utilizado… O que percebo é que enquanto vivas, as pessoas titulam esses ideais como utópicos, porém, quando estão prestes a morrer, utilizam-se deste “último discurso”. Outro tipo de caso em que, também, utiliza-se este tipo de discurso, é quando fala-se a uma platéia (seja ela do tamanho que for). No entanto, não se vê a adoção de práticas consonantes para com os ideais, para alcançá-los, por parte dos oradores (“fins éticos, exigem meios éticos”)… Não estou querendo generalizar, mas estou cansado de conversar com as pessoas sobre “um mundo melhor” (expressão que até já virou clichê), e… Read more »

Elvis "Wolvie" Rodrigues
Elvis "Wolvie" Rodrigues
17 setembro de 2007 8:17 pm

Me martirizo instantaneamente por nunca ter assistido a O Grande Ditador. O único filme de Chaplin que assisti foi Tempos Modernos. Mas futuramente farei umas sessões de dvd de alguns de seus filmes e O Grande Ditador sempre foi o próximo da minha lista.
Excelente discurso.
Tão atual…
Por que não nos levantamos contra a sociedade capitalista, gananciosa e corrupta de hoje? Marchemos em protesto! Vamos todos lutar! =P

StaticX
StaticX
20 outubro de 2008 8:07 am

Estamos todos em guerra contra a penuria dos bons pensamentos que em epoca de grande englobamento digital,tendem as nos passar nos pontos cegos do bom senso,mas ao alcance dos braços da indiferença….
Entre o fuzil e a vontade de fazer a diferença esta apenas a nossa intenção

Namaste.

Felipe
Felipe
22 julho de 2014 1:36 am

Hoje, no trabalho, estava conversando com um colega da Siria, ele me contava que ele divulga o que acontece la, tem um site e um grupo de teatro p esse proposito. Lembrei desse video, como ele gosta de teatro, perguntei se ja tinha assistido, ele me falou que nao conhecia, me pediu o link. Estava aqui agora a pouco, procurando o video, assisti algumas vezes, uma seguida da outra, gosto do script. Pensamento vai, pensamento vem, alguns minutos se passaram, vim no teu site procurar algo sobre budismo (sim, nao faz sentido, mas por algum motivo lembrei de um conto… Read more »

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