A PARÁBOLA DO RICO

Por Irmão X & Francisco Cândido Xavier; Pontos e Contos.

Na pequena assembleia espiritual, estudávamos a Parábola do Rico.

Alguns intelectuais, brilhantes no mundo, inclinavam-se comovidos ante a necessidade de penetrarem a luz dos capítulos simples do Evangelista. Na cátedra das lições costumeiras, a figura de Pedro Richard nos acompanhava com atenção generosa e sincera.

O quadro não era muito diferente das circunstâncias em que se poderia realizar sobre a Terra. A esfera espiritual próxima do planeta é uma figura de transição, em que o gosto terrestre tem quase absoluta predominância. O amplo recinto oferecia o aspecto de um parlamento singelo e acolhedor e, como ponto central, aquele velhinho, amigo de Ismael e de Jesus, com os cabelos nevados, parecendo feitos com a luz prateada das mais dolorosas experiências, ensinava o sentido oculto das preciosas lições do Cristo.

– Afinal – exclama um dos meus amigos –, existem realmente os grandes usurários e os ricos infelizes no mundo. São os dilapidadores dos bens coletivos, porque a movimentação do dinheiro poderia incentivar o trabalho, atenuando as dificuldades dos mais infortunados.

– Entretanto – atalha um dos presentes –, temos as fortunas dos grandes beneméritos da Humanidade. Um Rockefeller, um Carnegie, que estimulam as grandes iniciativas, em favor do bem público, não serão ricos amados de Deus? E os Henry Ford, que transformam os pântanos em parques industriais, onde milhares de criaturas ganham honestamente o pão da vida, não merecem o respeito amoroso das multidões?

A apreciação sobre os ricos da Terra prosseguia animada, quando alguém se lembrou de submeter a Richard o assunto, em sua feição substancial. O generoso velhinho, no entanto, replicou judiciosamente:

– Antes de tudo, só Deus pode julgar em definitivo as suas criaturas; mas, como considero o planeta terrestre uma abençoada escola de dor que conduz à alegria e de trabalho que encaminha para a felicidade com Jesus, devo assinalar que, na carne, não conheço senão Espíritos cheios de débitos pesados, com as mais vastas obrigações, perante a obra de Deus, que é o país infinito das almas. Quem será o Senhor das riquezas, senão o próprio Pai que criou o Universo? Onde estão os bancos infalíveis, ou os milionários que possam dispor eternamente dos bens financeiros que lhes são confiados? As expressões cambiais do mundo são convenções que outras convenções modificam. Basta, às vezes, um sopro leve das marés sociais para que todos os quadros da riqueza humana se transformem. Tenho de mim para comigo que, no mundo, o dinheiro a gastar, como a dívida financeira a resgatar são também oportunidades que o Senhor de Todas as Coisas nos oferece, para que sejamos dignos dele. O crédito exige a virtude da ponderação com a bondade esclarecida e o débito reclama a virtude da paciência com o amor ao trabalho.

A essas palavras justas, que nos conduziam a um campo de novas especulações sentimentais, um dos nossos irmãos de esforço, antigo socialista extremado na Terra, entusiasmando-se, talvez em excesso, com as elucidações do generoso mentor, exclamou efusivamente:
– Muito bem! sempre encontrei no capital um fantasma para a felicidade humana.

Pedro Richard endereçou-lhe o olhar, cheio de mansuetude, e explicou com bondade:
– Quem te afirmou que o capital no mundo é um erro?

E depois de uma pausa, dando a conhecer que desejava acentuar suas palavras, acrescentou:
– Podemos assinalar a dedo os raríssimos homens da Terra que conseguem trabalhar sem o aguilhão. O capital será esse aguilhão, até que as criaturas entendam o divino prazer de servir. Para os mais abastados, ele tem constituído a preocupação bendita da responsabilidade, e para a generalidade dos homens, o estímulo ao trabalho. O capital é um recurso de sofrimento purificador, não somente para os que o possuem, mas para quantos se esforçam pelo obter. É o meio através do qual o amor de Deus opera sobre toda a estruturação da vida material no globo; sem sua influência, as expressões evolutivas do mundo deixariam a desejar, mesmo porque os Espíritos encarnados estariam longe de compreender os valores legítimos da vida, sem a verdadeira concepção da dignidade do trabalho.

O nosso amigo quedou-se em meditação. Aqueles esclarecimentos generosos e simples profundamente nos surpreendiam. O mentor benévolo e sábio continuou as suas elucidações evangélicas. Explicações desconhecidas e inesperadas surgiam de seus lábios, derramando-se em nossos espíritos, como jatos de luz. Eram novas claridades sobre a figura incompreendida e luminosa do Cristo, revelações de sentimentos que nos conduziam ao máximo de admiração. Grande número de literatos desencarnados no Brasil, filiados às mais diversas escalas, escutavam-lhe os conceitos simples e profundos.

Foi então que, ao fim dos estudos, e nas derradeiras observações, um velho conhecedor das letras evangélicas adiantou-se para o velhinho bom, interrogando:
– Richard, as tuas explicações são judiciosas e derramam novas claridades em nosso íntimo. Mas, sempre ponderei uma questão de essencial interesse, nessa parábola do Evangelho. Por que motivo o santificador Espírito de Abraão, personificando a Providência Divina junto de Lázaro redimido, não atendeu às súplicas do Rico desventurado? Não era este também um filho de Deus? Observando os teus esclarecimentos de agora, sinto esta interrogação cada vez mais forte em minh’alma, porque, afinal, o homem rico do mundo pode ser, muitas vezes, uma criatura indigente na aspereza das provas. Como esclarecer esse problema que nos induz a supor certa insensibilidade nas almas gloriosas que já se redimiram das vicissitudes da existência material?

O esclarecido comentador da palavra de Jesus replicou com veemência e brandura:
– Insensibilidade nos mensageiros do bem? Esse conceito nasce da nossa deficiência de verdadeira compreensão. Abraão e Lázaro viram nos sofrimentos do Rico a misericórdia inesgotável do Pai Celestial que, dos nossos erros mais profundos, sabe extrair a água amargosa que nos há de curar o coração. Ambos compreenderam que seria contrariar os desígnios divinos levar ao irmão torturado uma água mentirosa que lhe não mataria a sede espiritual. Quanto ao mais, que pedia o Rico ao Espírito generoso de Abraão? Rogava-lhe que Lázaro voltasse ao mundo para dar a seus pais, a sua mulher, a seus filhos e irmãos as verdades de Deus, a fim de que se salvassem. Como não se lembrou de pedir a difusão dessas mesmas verdades, entre todas as criaturas? Por que razão somente pensou nos seus amados pelo sangue, quando todos os homens, nossos irmãos, têm necessidade da paz de Deus, que é a água viva da redenção? A solicitação do Rico é muita semelhante à maioria das súplicas que partem dos caminhos escuros da Terra, filhas do egoísmo ambicioso ou do malfadado espírito de preferência das criaturas, orações que nunca chegam a Deus, por se apagarem no mesmo círculo de sombra e ignorância em que foram geradas pela insensatez dos homens indiferentes!…

O nosso amigo religioso recebera também a sua lição. As elucidações evangélicas do dia estavam terminadas. No recanto silencioso, a que me recolho com as heranças tristes da Terra, intensifiquei as minhas reflexões sobre a grandeza desconhecida do Cristo e, contemplando as perspectivas angustiosas dos quadros sociais da existência terrestre, comecei a meditar, com mais interesse, na profunda Parábola do Rico.

0 0 votes
Avaliação
Subscribe
Notify of
12 Comentários
Newest
Oldest Most Voted
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários
Renan
Renan
16 dezembro de 2005 4:19 pm

Acid, te agradeço por essas palavras.

“Não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual. Somos seres espirituais tendo uma experiência humana.”

Gurdjieff

soy loko mesmo
soy loko mesmo
19 dezembro de 2005 11:20 pm

Uma música do Made in Brazil para meditarmos sobre a nossa sombra: Eh hey querida ouça Os ratos do meu pesado coração Estão comemorando e convidando Abutres e serpentes Que esperam meu erro fatal Para começar o banquete E depois da devastação total Eu permito querida Você botar pra fora Toda a minh’alma e isso me dá uma dor horrível Ainda estou vivo… Querida, cuidado Pois os ratos conseguem resistir a tudo Segui seus negros pensamentos Que proliferam crescem e engordam Com furor e profunda dor Sei que ao menor sinal Eles me enterrarão vivo Sem tempo sequer de tossir… Read more »

Biltís
Biltís
19 dezembro de 2005 11:10 pm

Adorei seu comentário Bob.

BoB
BoB
19 dezembro de 2005 10:56 pm

Acho bastante oportuna esta discussão. De fato, essa questão (que poderíamos chamar aqui de “PEDAGOGIA DOUTRINÁRIA”), que envolve a metodologia ou forma como somos ‘educados’ em relação às questões espirituais ou mesmo quanto a nossa particular visão sobre a condição humana e seu estado evolutivo, pode sim abranger métodos ou linhas diferentes de análise ou difusão, seja em relação a uma cultura em especial e/ou também ao tempo ou época em que ela se difunde; pode também variar de pessoa para pessoa no que se refere a sua particular visão em relação a humanidade ou a vida. Compreendo as opiniões… Read more »

Samir
Samir
21 dezembro de 2005 12:05 pm

Acid, parabéns pela limpeza da casa. voltar ao zero traz quietude, a quietude traz estabilidade, a estabilidade traz serenidade e a serenidade traz a paz. Na paz pode-se pensar, e então, pode-se agir.

Titanico
Titanico
18 dezembro de 2005 5:06 pm

Fala Daniel… Vc diz que acredita na reencarnação… então gostaria que me desse sua impressão sobre um caso que pode ocorrer: Vc nasce numa família rica, muito rica. Nesta vida, vc tem tudo o que o dinheiro pode comprar. Com isso, não existem barreiras e nem preços que vc não consiga pagar. Vc vem e só quer saber de diversão, alegria, excessos de todos os tipos, etc. Vc desencarna… tem outra chance parecida e faz igual. Com isso, como se pode “evoluir, sim, mudar, mas com alegria, prazer, boa vontade, com tudo de bom”? Esse é um caso que pode… Read more »

Daniel
Daniel
18 dezembro de 2005 1:13 pm

Uma das coisas que me incomodam nas mensagens espíritas é a linguagem. Ora se alguém ia se comunicar desse jeito… Parece que as mensagens espíritas se cristalizaram no século retrasado e a partir daí nunca mais mudaram… Outra coisa, que é uma herança clara da culpa judaico-cristã, é a coisa do sofrimento. Não há mensagem espírita que não tenha as palavras “dolorosas experiências”, “escola de dor”, “sofrimento purificador”, “água amargosa que nos há de curar”, e por aí vai, sempre com a conotação que o sofrimento é necessário para aprender e que temos que nos resignar com ele. Essa é… Read more »

tiza
tiza
17 dezembro de 2005 1:19 am

Não importa o tanto que existe , ou temos de qualquer coisa, se isto não for bem usado.O uso correto é a funcionalidade a ser cobrada.. se muita e não se divide ,e se pouca e não se multiplica estamos atuando de maneira errada consciente ou inconscientemente sobre o que só temporáriamente tomamos conta , não somos donos de nada, e isto vale para recursos naturais ou materiais.O fato de algo existir em determinado lugar ou em determinada pessoa, não faz deste algo uma exclusividade nem do lugar nem da pessoa ; o importante é não agir egoísticamente sobre o… Read more »

BoB
BoB
16 dezembro de 2005 4:53 pm

Concordo em gênero, número e grau com sua observação, prezado amigo!

BoB
BoB
16 dezembro de 2005 4:15 pm

Beneméritos da Humanidade? Talvez seja melhor compreendermos porque um Rockefeller, um Carnegie ou Henry Ford ou Gates são ‘agraciados’ com estes títulos de grandeza humana.Deve-se entender que nos EUA a incidência de impostos à partir de um determinado grau de riqueza torna-se astronômica, daí a ESTRATÉGIA de se criar “Fundações beneficentes” ou outras entidades do gênero que estão isentas de impostos. Portanto, o mecenato, tão alardeado como uma “nobre qualidade da grande cultura e do espírito estadounidense” nada mais é que uma inteligente estratégia para escapar do FISCO! 😉

Saindo da Matrix
Saindo da Matrix
16 dezembro de 2005 4:25 pm

Não deixa de ser, Bob. Mas eles podiam fazer como os nossos ricos, que não investem em nada além da arte de burlar o imposto de renda…

Renan
Renan
20 dezembro de 2005 3:04 pm

“Ele era como um galo que pensava que o sol surgia para ouvi-lo cantar”

G. Eliot

Posts Relacionados

Comece a digitar sua pesquisa acima e pressione Enter para pesquisar. Pressione ESC para cancelar.