PLEASANTVILLE: VAMOS NOS COLORIR

Tenho meditado um pouco na frase de Álvaro de Campos:

“É sempre de nós que nos separamos quando deixamos alguém.

Álvaro de Campos

Ela é muito boa pra colocar em perspectiva nossas relações com as pessoas, as coisas, com a vida.

No filme Pleasantville: A Vida em Preto e Branco as coisas (e depois pessoas) vão adquirindo cor a medida em que elas saem do “normal”, do esperado. É difícil para os personagens (e até nós, espectadores) dizer exatamente porque cada coisa vai ganhando cor, mas em um olhar mais aprofundado vemos que esse “sair do normal” é na verdade uma mudança do olhar ou de uma pessoa ou do conjunto de pessoas em relação a um objeto (como o carro, que é percebido como algo mais do que um transporte, ou as rosas evocando paixão ou luxúria) ou mudança interior da pessoa em relação ao mundo. É interessante notar como justamente os objetos vão primeiro sendo afetados, e só depois as pessoas. As sensações, como o beijo, ou o chiclete sendo usado pra exprimir PERSONALIDADE, vão moldando o caráter dos personagens e trazendo lentamente cor a eles. Daria pra fazer uma dissertação sobre isso e como nos relacionamos mais com as coisas do que com as pessoas, ou seja, como nos exprimimos mais através das coisas do que por nós mesmos, ou como usamos ferramentas para nos definir como ser humano (e o macaco de Kubrick com o osso levantado surge em minha mente enquanto escrevo).

PLEASANTVILLE: VAMOS NOS COLORIR

A jukebox do filme Pleasantville ganha cor rapidamente. Ela sempre funcionou pra tocar música e distrair os clientes jovens da sorveteria. Mas sua percepção e uso “mudaram”. Como, se continuou a tocar música? Porque já não era “apenas” música. Era o Rock n’roll. E o Rock mudou mentes e mundos porque trazia em si uma experiência transformadora, libertadora. A Apple é mestra em transformar um produto em uma experiência. Um Iphone não é só um Iphone, e por mais que a concorrência procure trazer celulares melhores tecnicamente, ela não vai conseguir reproduzir essa experiência pra quem foi “fisgado” por um Iphone na revolução que foi a transformação do seu aparelho telefônico em computador, e nada mais seria da mesma forma daquele momento em diante. Fazendo um paralelo com o filme, foi nesse momento que a Jukebox ganhou cor.

Hoje vemos várias pessoas em preto-e-branco carregando seus celulares coloridos. Algumas ganharam cor própria através daquela experiência, mas a maioria ainda vive em função daquela experiência. Esse pra mim é o maior problema das drogas e o porque sou frontalmente contra: enquanto alguns conseguem usá-la como uma porta para o crescimento de si e dos outros, aqui, no mundo – como os Beatles ou mesmo Steve Jobs – a imensa maioria se apequena diante da experiência e foge da realidade que, por mais “irreal” que seja, ainda é o nosso campo de atuação e – por que não? – trabalho.

Amigos entretidos com celulares na mesa de bar

Mas, “voltando” ao tema inicial, se considerarmos como nos relacionamos com os objetos em relação às nossas experiências, podemos vislumbrar como nos relacionamos com as pessoas e quais experiências tiramos delas. E é justamente aí que está a beleza e profundidade da frase de Álvaro de Campos. Porque as pessoas que passam por nossas vidas não são apenas pessoas. Nem ferramentas. São experiências. Experiências que acontecem em NÓS, ativando partes que nem sabíamos que tínhamos, potencialidades adormecidas, perspectiva de vida que não tínhamos vislumbrado porque estávamos dormentes. Mas temos que escolher se seremos apenas levados por essas experiências, como drogas ou Iphones, nos apequenando, ou se vamos ser transformados por elas, cultivando aquilo que recebemos e doando ao próximo, transformando os outros, e assim aquela pessoa / experiência será imortal, e você estará sempre com ela, independente da distância ou do tempo.

Vamos nos colorir.

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Alcir
Alcir
15 setembro de 2013 6:18 pm

Lembrei-me dos livros de Carlos Castañeda, com essa relação entre o observador e o observado ou entre o sujeito e o objeto…

Só acho que você deveria escrever com mais frequência, para o meu o deleite. 🙂

Abraço

Olim
Olim
26 setembro de 2013 11:14 am
Serise
Serise
26 setembro de 2013 11:22 am

Olim,

link muito legal, valeu.

Dennis
Dennis
29 setembro de 2013 2:40 am

Obrigado Sofia pelo excelente comentário… E grato Acid pelo post. Abraço a todos!

Lucifer
Lucifer
30 setembro de 2013 2:21 pm

Um pensamento não é um pensamento enquanto não é percebido como pensamento.

Veja a falta de percepção do mundo ao redor. Não é que estejamos focados, não temos nenhum objetivo. Vivemos por viver. Melhor, sobrevivemos dia apos dia mas sem razão.

O pensamento identificado como tal se torna pensamento por influenciar em nossa vida.

O que nos falta é a continua consciencia de ser.

Parabens pelo post.

Zuri
Zuri
7 outubro de 2013 10:09 am

Agradeço a você Acid e a você Kdius; me fizeram bem.

Lucas
Lucas
15 outubro de 2013 1:35 am

Sofia, gostaria de receber mais informacoes/experiencias suas com o lsd. Tenho vontade, sei que vou usar um dia mas tenho receio ainda por nao conhecer muito bem.
Obrigado.

Beto
Beto
16 outubro de 2013 12:04 pm

“Estamos em uma Matrix” (!!!)
Acid, desculpa o off topic. Sei que não é uma notícia nova mas é importante ser compartilhada e debatida. Abraços.

http://sabedoriaquantica.blogspot.com.br/2012/06/fisico-diz-ter-criado-uma-teoria-que.html

serise
serise
16 outubro de 2013 7:10 pm

Beto,

Talvez já tenha lido sobre isso, me pareceu que tem a ver com seu link.

http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=universo-holografico-holograma&id=010130090130

simplesmente assustador.

Outro
Outro
17 outubro de 2013 6:46 pm

Que saudade de um texto novo que nem conheço!

Sofia
Sofia
19 outubro de 2013 9:12 pm
Observador
Observador
24 outubro de 2013 2:20 pm

serise, incrível esse texto. Nossa mente se expande muito a medida que nos deparamos com perspectivas diferentes a respeito de nossa existência.

Sofia
Sofia
24 setembro de 2013 8:58 pm

A experiência com o LSD. “OSHO” Sinta o cosmos como uma presença translúcida eternamente viva. Se você já tomou alguma droga como LSD ou coisa parecida, todo o mundo a sua volta se torna um fenômeno de luzes coloridas que são translúcidas, vivas. Isso não é por causa do LSD. O mundo é assim, mas seus olhos se tornaram obtusos. O LSD não está criando um mundo colorido a sua volta; o mundo já é colorido, não há nada de errado com o mundo. Ele é um arco-íris de cores – um mistério de cores e luz translúcida. Mas seus… Read more »

Geninha
Geninha
24 setembro de 2013 11:41 am

Às vzs é necessário. Somente. E não é ruim. Penso.

Abçs!

Tininha
Tininha
15 setembro de 2013 8:24 pm

Show !!!!!!!!!!!!!!!!

Nana
Nana
15 setembro de 2013 9:18 pm

Puxa vida, caramba! Concordo com a Tininha. Show!!!!!!!

Anônimo
Anônimo
16 setembro de 2013 1:03 pm

Interessante esse texto, Acid…

O que criamos tb nos influencia e nos molda.

É tipo no ‘De Volta para o Futuro’ quando o “Mártir” McFly volta do passado e encontra sua vida presente transformada pra melhor? É por aí?

__

“[…]se considerarmos como nos relacionamos com os objetos em relação às nossas experiências, podemos vislumbrar como nos relacionamos com as pessoas e quais experiências tiramos delas.”

E como seria uma experiência colorida sem o ‘objeto’?

http://espectivas.wordpress.com/2013/09/07/o-cumulo-do-politicamente-correcto-um-jogo-de-futebol-sem-bola/

Bons tempos do jukebox e das peladas com bola de meia velha na rua de lama…

Saudade da minha vitrolinha e dos vinis coloridos…

Anônimo
Anônimo
16 setembro de 2013 2:05 pm

Acid,

interessante o assunto do post,no trecho abaixo, lembrou-me [um pouco] o espiritismo……sobre as experiencias/convivencias.

.” Porque as pessoas que passam por nossas vidas não são apenas pessoas. Nem ferramentas. São experiências. Experiências que acontecem em NÓS, ativando partes que nem sabíamos que tínhamos, potencialidades adormecidas, perspectiva de vida que não tínhamos vislumbrado porque estávamos dormentes.”

abrcs.

Roger
Roger
16 setembro de 2013 2:14 pm

Ola! Conheci o seu site recentemente. Parabéns pelo conteúdo, ótimos para refletir. Desse post me lembrei de uma professora da faculdade, ela disse que não se importa com notas , provas e avaliações, mas sim com que nós alunos possamos continuar a jornada do qual ela continuo, de seus professores, e que ela jamais desistiu, de transformar a educação, pois na área da educação as pessoas desistem pelo sistema falido. Essa relação professor-aluno é um bom exemplo de pessoa com cor, sem objeto, sem briga de egos e pedestal. Nota: esse método de não ligar para as avaliações é uma… Read more »

kdius
kdius
17 setembro de 2013 7:41 pm

Na hora em que li a frase me veio a mente tudo o que ela refletiu em mim em 2010. Na véspera da morte do meu pai, que estava com câncer e estava em estado terminal, eu comecei a pensar a respeito de nossas intrigas. Ele era um cara não mal caráter, mas fez da minha vida um caos quando eu era criança até a adolescência, quando brigava com minha mãe e pensava-se até que ele queria mata-la. Tudo culpa do álcool. Dentro de um ônibus, alguns meses após o falecimento dele, comecei a pensar porque, mesmo que tendo raiva… Read more »

Sílvia
Sílvia
18 setembro de 2013 9:17 am

Texto incrível. Valeu, Acid!

Ikki
Ikki
18 setembro de 2013 10:37 am

*Um ‘off topic’ que considero relevante para esses dias tão desbotados e parciais:

Por que esse caso passou batido na imprensa mundial e já atrofiou o debate na opinião pública?

Será por se tratar de MAIS uma tragédia cometida numa “gun free zone”??

Será pelo fato incômodo do atirador ser negro e budista e não um ultra-direitista branco cristão fundamentalista??

http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/cultura/aaron-alexis-podia-ser-filho-de-obama-ou-negro-e-budista-proximo-assunto-por-favor/

http://institutoliberal.org.br/blog/?p=6458

Søren Aabye
Søren Aabye
18 setembro de 2013 7:58 pm

Belo texto…

Loose youself to dance (Por uma Vida em cores)

http://www.youtube.com/watch?v=TBXv37PFcAQ

Ayesha
Ayesha
23 setembro de 2013 12:05 pm

Dependendo da nossa fase na vida (e de vida), as coisas, as pessoas, os sentimentos e os interesses ganham coloridos diferentes. E o importante, acho, é que, no fim da nossa jornada por aqui, fique tudo mais colorido do que em preto e branco.

Vou procurar o filme, me chamou a atenção.

🙂

serise
serise
30 outubro de 2013 2:28 pm

valeu observador,

abrcs.

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