MIRDAD: O OVUM MATERNO

Por Mikhail Naimy; O Livro de Mirdad

MIRDAD: O OVUM MATERNO

No silêncio desta noite, Mirdad gostaria que meditassem sobre o Ovum materno.

O espaço e tudo o que nele há é um ovo, cuja casca é o Tempo. Este é o Ovum materno. Envolvendo este Ovum, como o ar envolve a terra, está Deus manifestado, o macrodeus, a vida incorpórea, infinita e inefável. Encerrado neste Ovum está Deus latente, o microdeus, a vida englobada, também infinita e inefável. Conquanto imensurável no que se refere às medidas humanas, o Ovum materno tem limites. Embora ele próprio não seja infinito, está cercado pelo infinito por todos os lados.

Os inúmeros ova (plural latino de ovum), representando todas as coisas e seres, visíveis e invisíveis, estão de tal modo arrumados dentro do Ovum materno que o maior em expansão contém o imediatamente menor, com espaços intermediários, até o ovum menor de todos, que é o núcleo central, encerrado no espaço-tempo infinitesimal. Um ovum dentro de um ovum, dentro de outro ovum, desafiando os números humanos, todos fertilizados por Deus – eis aí o Universo, meus companheiros.

As palavras são, quando muito, relâmpagos que revelam horizontes; elas não são o caminho para esses horizontes, muito menos os próprios horizontes. Por isso, quando vos falo do Ovum e dos ova, do macrodeus e do microdeus, não vos apegueis à letra, mas segui o relâmpago. Assim verificareis que minhas palavras são poderosas asas para vossa claudicante compreensão.

Meditai sobre a Natureza que vos cerca. Não verificais que está construída sobre o princípio do ovum? Sim, é no ovum que ireis encontrar a chave de toda a criação. É um ovum vossa cabeça, vosso coração e vosso olho. E ova são todos os frutos e sementes. É um ovum toda a gota de água, e um ovum é o espermatozóide de qualquer criatura viva; e as inúmeras esferas que traçam suas rotas sobre a face dos céus – não são todas elas um ovum que contém a quintessência da vida – o microdeus – em vários estágios de desenvolvimento? Não está toda a vida sendo constantemente incubada, a sair de um ovum para tornar a entrar em outro ovum?

Realmente miraculoso e contínuo é o processo da criação. A corrente da vida da superfície do Ovum materno parte do centro, e do centro vai, ininterruptamente, para a periferia. À medida que se vai expondo no tempo e no espaço, o microdeus e o núcleo passam de ovum a ovum, da mais baixa à mais alta ordem de vida, sendo a mais baixa a de menor expansão e a mais alta a de maior expansão no tempo e no espaço, variando o tempo necessário para a passagem do ovum de uma para outra ordem, de um piscar de olhos, em alguns casos, até um éon, em outros. E assim prossegue o processo até que a casca do Ovum materno é rompida, e o microdeus emerge como macrodeus.

Em cada ovum sucessivo, o microdeus encontra um alimento espaço-tempo ligeiramente diferente daquele que lhe foi fornecido pelo ovum precedente. Difuso e informe no gás, ele torna-se mais concentrado e aproxima-se de uma forma no líquido; no mineral assume uma forma definida e com uma fixidez permanente, enquanto está desprovido de quaisquer atributos da vida conforme se manifestam nas formas superiores. No vegetal, toma forma com a capacidade de crescer, multiplicar-se e sentir; no animal, sente, move-se, propaga-se e possui memória e rudimentos da capacidade de pensar, mas no homem, além de tudo isso, adquire a personalidade e a capacidade de contemplar, de expressar-se e de criar. Verdade é que a criação do Homem, em comparação com a de Deus, é semelhante a um castelo de cartas construído por uma criança, comparado a um magnífico templo ou um elegante castelo construído por um superarquiteto. Não obstante, é uma criação.

Cada Homem torna-se um ovum individual, o mais evoluído encerrando o menos evoluído, e também todos os ova animais, vegetais e inferiores, até o núcleo central; enquanto o mais evoluído – o liberto – encerra todos os ova humanos e subumanos. O tamanho do ovum que encerra qualquer homem é medido pela amplitude dos horizontes de espaço-tempo desse homem. Enquanto a consciência do tempo de determinado homem não ultrapassa o curto período que vai de sua infância até o momento presente, e seus horizontes de espaço não abrangem mais do que seus olhos podem alcançar, os horizontes de outro, abrangem passados imemoráveis e futuros, muito além em distância e léguas no espaço, ainda não atinados por seus olhos.

O alimento fornecido a todos os homens para seu desenvolvimento é o mesmo; não é, porém, a mesma, sua capacidade de alimentar-se e de digerir, pois não saíam do mesmo ovum na mesma ocasião e no mesmo lugar. Daí a diferença em suas expansões de espaço-tempo; e aí está o motivo de não se encontraram dois exatamente iguais. Da mesma mesa, tão rica e prodigamente posta, diante dos homens, um banqueteia-se com a pureza e a beleza do ouro e satisfaz-se, enquanto o outro se banqueteia com o próprio ouro e está sempre com fome. O caçador, em vendo uma corça, é impelido a matá-la e comê-la. O poeta, ao ver a mesma corça, é transportado, como se tivesse asas, aos espaços-tempo com os quais o caçador jamais sonha. Micayon, vivendo na mesma Arca em que vive Shamadam, sonha com a liberdade final e o alto da montanha da libertação das cadeias do tempo e do espaço, enquanto Shamadam está, constantemente, amarrando-se com laços, cada vez mais compridos e mais fortes, do espaço e do tempo. Em realidade Micayon e Shamadam, embora estejam um ao lado do outro, estão muito longe um do outro. Micayon contém Shamadam; porém Shamadam não contém Micayon. Por isso Micayon pode compreender Shamadam, mas Shamadam não pode compreender Micayon.

A vida de um liberto toca a vida de todos os homens por todos os lados, pois contêm as vidas de todos os homens. No entanto, a vida de nenhum homem toca, por todos os lados, a vida de um liberto. Ao homem mais simples, o liberto dá a impressão dos mais simples dos homens. O altamente evoluído reconhece-o como altamente evoluído, mas há certos aspectos do liberto que somente outro liberto pode perceber e compreender. Eis por que ele é um solitário, e sente-se como quem está no mundo, porém não é do mundo.

O microdeus não quer permanecer encerrado. Está sempre trabalhando por sua libertação da prisão no tempo e no espaço, usando uma inteligência muito superior à humana. Nos entes inferiores, os homens chamam-na de instinto. Nos homens comuns, chamam-na de razão. Nos homens superiores, chamam-na de senso profético. E é tudo isto e muito mais do que isto. É aquele poder sem nome a que alguns deram, muito adequadamente, o nome de Espírito Santo, e que Mirdad denomina de Espírito da Sagrada Compreensão. O primeiro filho do homem que furou a casca do tempo e atravessou a fronteira do espaço foi chamado, com muita razão, o Filho de Deus. Sua compreensão da divindade é, adequadamente, denominada Espírito Santo. Podeis estar certos de que vós sois filhos de Deus e que também em vós o Espírito Santo procura entrar. Trabalhai com Ele e jamais contra Ele.

Enquanto, porém, não houverdes furado a casca do tempo e atravessado a fronteira do espaço, que ninguém diga “Eu sou Deus”. Antes diga “Deus é eu“. Conservai bem isto na mente, para que o orgulho e a vã imaginação não corrompam o coração nem militem contra o trabalho do Espírito Santo dentro de vós, pois a maior parte dos homens trabalha contra o Espírito Santo, adiando a libertação final.

Para conquistar o tempo tereis de, com o tempo, combater o tempo. Para vencer o espaço tereis de deixar que o espaço devore o espaço. Fazer-se de amável anfitrião de qualquer um deles é permanecer prisioneiro de ambos e refém das infindáveis travessuras do bem e do mal. Aqueles que descobriram seu destino e anseiam por vivê-lo, não perdem tempo embalando o tempo, nem passos andando no espaço. Não esperam que a morte os leve a um ovum próximo aos deles; confiam em que a vida os auxiliará a perfurar a casca de muitos ova de uma só vez. Para isso precisais estar desapegados de tudo, para que o tempo e o espaço não tenham domínio sobre vosso coração. Quanto mais possuirdes, mais sereis possuídos. Quanto menos possuirdes, menos sereis possuídos.

Sim, sede destituídos de tudo, exceto de vossa fé, de vosso amor e de vosso anseio pela libertação, por meio da Sagrada Compreensão.

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