CERIMÔNIA DO CHÁ

Ser Zen é estar alerta a todo momento. É fazer algo com toda a sua atenção e coração. É estar presente. A cerimônia do chá é um ótimo teste e simbolismo para o praticante Zen. Se caracteriza por preparar, servir e beber o ma-tcha, um chá verde pulverizado. É um troço tão banal pra quem vê (e pra quem tenta fazê-lo por curiosidade), que se torna um verdadeiro “ritual secreto”, um simbolismo que diz muito mais do que os olhos podem ver.

japao cerimonia cha zen2

Um paralelo que podemos fazer do espírito Zen nas ações é o de estar na cozinha preparando algo perigoso ou complicado: Cortar um pão é um ato banal. Mas, uma vez que você se corte fazendo isso, e aquilo tenha doído por dias, você nunca mais cortará o pão com a mesma desatenção. Não será uma concentração do tipo jogar videogame, onde você não consegue nem desviar o olhar, você não estará consumido por aquilo, é sim uma atenção de “corpo presente”; Seus olhos estarão atentos à posição da faca, mas, se precisarem desviar por algum motivo suas mãos estarão atentas a cada movimento; você saberá onde cada dedo está, para que a faca não os atinja ao sair do outro lado do pão. Enfim, isso é um pouco do Zen, mas normalmente só fazemos isso por alguns segundos durante o dia. A cerimônia do chá dura quase 1 hora, de pura atenção não-estressante (se o Zen estressasse, os monges já teriam arrancado todos os seus cabelos, né? Se bem que… 😐 ).

Quem consegue ver ação
no que parece inação,
e ver inação na ação,
é na verdade o mais sábio.
E embora esteja ocupado
em qualquer atividade,
está livre das reações.

Bhagavad Gita 4-18

Esses versos do Bhagavad Gita casam muito bem com a cultura Zen (até por uma questão histórica, já que as origens do Zen, ou Chen, remontam à India). Ao estar “desperto” (ao menos para aquele momento) você está no controle de suas ações, e, consequentemente, das reações. Poderíamos dizer que o monge só quer evitar de se queimar com o chá (reação física), mas o “controle” vai muito além do chá: vai ao próprio pensamento. E é aí que o verdadeiro Zen procura se manifestar, pra colocar você no controle do seu veículo de manifestação, seja espiritual ou carnal, e aí então você estará (na medida do possível) no controle da sua vida.

Quem se ocupar fielmente
no saber transcendental
controlando seus sentidos,
muito em breve alcançará
a suprema beatitude.

Bhagavad Gita 4-39

A história da cerimônia do chá

japao cerimonia cha zen1

O ma-tcha – chá verde – foi introduzido no Japão no final do século 12, originário da China. Todavia, o chá era muito precioso e, embora usado principalmente como bebida, era considerado, também, remédio. Ainda não havia nenhum ritual associado a ele.

O costume de beber ma-tcha gradativamente difundiu-se, não só entre os sacerdotes de Zen, mas também no seio da classe superior. A partir do século 14, o chá passou a ser usado num jogo chamado to-tcha: Tratava-se de um divertimento no qual os convidados, depois de provarem de várias xícaras de chá produzido em diversas regiões, eram chamados a escolher a taça contendo o chá da melhor região produtora da bebida. Os que acertavam na escolha recebiam prêmios. Como esse jogo se tornou moda, as plantações de chá começaram a florescer, especialmente no distrito de Uji, nas proximidades de Kyoto, onde o chá de melhor qualidade ainda é produzido. O to-cha, gradativamente, converteu-se numa mais tranquila reunião social, no seio da classe superior, e os prêmios não mais foram conferidos. O objetivo tornou-se então o gozo de uma atmosfera profunda na qual os participantes provavam o chá enquanto admiravam pinturas, artes e artesanato da China, mostrados num shoin (estúdio). Simultaneamente – sob a influência de formalidades e maneiras que regulavam a vida cotidiana dos samurais e nobres que constituíam, então, a classe dominante no país – surgiram certas regras e procedimentos que os participantes de uma reunião de chá deveriam obedecer. Assim desenvolveram-se os fundamentos da cerimônia do chá.

Ao final do século 15, um plebeu chamado MurataJuko, que dominou a arte do Tcha-no-yu, propôs outro tipo de chá cerimonial, mais tarde denominado Wabi-tcha, que ele baseou mais nas sensibilidades japonesas alimentadas pelo espírito do budismo de Zen (cujo objetivo é purificar a alma do homem, confundindo-a com a natureza).

Renunciando ao apego,
aos frutos do seu trabalho;
satisfeito e independente;
agindo sem interesse;
ele não fica envolvido,
embora esteja engajado
em todo tipo de ação.

Bhagavad Gita 4-20

O Tcha-no-yu é um sentimento que dificilmente pode ser expresso por palavras. De certa forma, pode-se dizer que ele é a materialização do empenho intuitivo do povo japonês pelo reconhecimento da verdadeira beleza na modéstia e simplicidade. Termos como “calma”, “simplicidade”, “graça”, ou a frase “estética da simplicidade austera e pobreza refinada” podem ajudar a definir o verdadeiro espírito da cerimônia do chá. Por exemplo, as regras rigorosas de etiqueta da cerimônia, que podem parecer penosas e meticulosas à primeira vista, são, de fato, calculadas minuto por minuto a fim de obter a maior economia de movimento possível. O Tcha-no-yu tem desempenhado um importante papel na vida artística do povo japonês, pois envolve a apreciação do cômodo onde é realizada, o jardim que o circunda, os utensílios utilizados e a decoração do ambiente. Representando a beleza da simplicidade estudada e da harmonia com a natureza, o espírito do Tchâ-no-yu moldou o desenvolvimento da arquitetura, jardinagem paisagística, cerâmica e artes florais no Japão.

Referência:
Preparação e história do chá

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Marcio
Marcio
27 novembro de 2006 1:58 pm

A brincadeirinha com os cabelos dos monges foi parar no meu MSN… belo texto!

Saindo da Matrix
Saindo da Matrix
28 novembro de 2006 8:21 pm

OFFTOPIC mas interessante: Ao doar dinheiro ao Criança Esperança, você ajuda realmente crianças carentes, mas ajuda também a pagar o imposto da Rede Globo!!! Quando a Rede Globo diz que a campanha Criança Esperança não gera lucro é mentira. Porque no mês de Abril do ano seguinte, ela (TV Globo) entrega o seu imposto de renda com um seguinte desconto: Doação feita à Unicef no valor de (aqui vem o valor arrecadado no criança esperança). Ou seja, a Rede Globo já desconta pelo menos 20 e tantos milhões do imposto de renda graças aos babacas que fazem as doações. Agora,… Read more »

Lex
Lex
29 novembro de 2006 7:05 am

Vamos voltar no tempo e lembrar que HOJE o Japão é uma super potência e esta no patamar que esta. Quando o budismo entrou no Japão e quando o zen se desenvolveu ele veio de uma região PAUPÉRRIMA e se desenvolveu PRIMEIRO entre os humildes, pobres e religiosos. Diante da excelente capacidade de trazer efeitos práticos para pessoas que tem tarefas exigentes e difíceis acabou sendo adotado (de forma velada e não obrigatória, quase uma conseqüência parda) pelos samurais (casta militar). Tanto na China, da onde veio o Ch’an ( como era conhecido o Zen na China – foi trazido… Read more »

Fiat Lux
Fiat Lux
29 novembro de 2006 7:52 am

Lex, acho que até no próprio Japão, a cultura Zen perdeu seu verdadeiro valor, devido justamente a sua transformação em super potência. Os rituais e cerimonias podem ser cultivados, mas será que a essência e o significado desses rituais estâo sendo passados para as novas gerações ou se transformou numa mera religião que abraçamos, mas não praticamos. Eu cresci num ambiente budista, mas confesso que não via meus pais praticarem constantemente sua ess~encia no dia a dia, justamente pela influência ocidental e materialista em que vivemos. A coisa mais fácil é vc seguir as cerimonias, o difícil é entendê-las e… Read more »

Lex
Lex
29 novembro de 2006 8:31 am

Fiat… fato.

manu
manu
29 novembro de 2006 11:51 pm

Acerimonia do cha e muito bonita ,sim!!
Porem pra nos acidentais ,a dor e o formigamento que da nas pernas de tanto tempo ajoelhado,na mesma posicao, vao impedindo de ver qualquer beleza ,acredite ,,,,,passa a ser uma tortura que agente nao ve a hora que acaba ,e ainda e preciso ver a beleza wabi sabi do chawan(chicara) ,,,,,,,,,ai se voce conseguir se levantar e caminhar ,entao nao sera um simples ocidental ……eu nao conseguia mover um dedinho do pe !!!!

wu ming
wu ming
30 novembro de 2006 1:04 am

quanto nos países em que se desenvolveu uma linha de Zen Budismo não se faz a dissociação entre o zen e a vida dura.
——————
por isso q os mogens de shaolin eram de shaolin

nj
nj
30 novembro de 2006 1:37 pm

* nossa vida aqui no Brasil também é nada mole.
E além de ser outra era é também outra cultura.
Aqui, o é imediatismo do trabalho e da recompensa, da correria pelo conhecimento.
Poucas pessoas têm tempo para cerimônias zen-budistas.
Penso que resta-nos a meditação e a leitura (já que estamos na era do conhecimento) sobre a filosofia.
E de tanto estar em contato, podemos algum dia absorver alguma coisa…
Eu não desisto… rs

Eli
Eli
15 agosto de 2010 11:17 pm

que tal um chá?

Lucas Oliveira
Lucas Oliveira
15 janeiro de 2017 5:57 pm

Hoje no programa Viagem Espiritual na Rádio Mundial, Wagner Borges falou um pouco sobre Taoismo e Tai chi.

Tomando chá com o tao,Viagem Espiritual,Wagner Borges,Rádio Mundial,15-01-2017

youtube.com/watch?v=ie1VpWrwDDQ

Lucas Oliveira
Lucas Oliveira
5 janeiro de 2017 1:14 pm

A contemplação dos Quatro fundamentos de Sati progride não só do externo para o interno, do grosseiro para o sutil, mas também progride do conhecimento básico para estados mais sofisticados de concentração e sabedoria. O estabelecimento de Sati em cada domínio conduz a faculdades mentais mais calmas e focadas e a um conhecimento e compreensão mais claros e perspicazes de nós mesmos. Insights sobre a verdade de nós mesmos, por sua vez, promovem um profundo senso de desapego. Quando os insights vão a uma profundidade suficiente, quando a sabedoria fez seu trabalho, quando o entendimento surge, então os apegos são… Read more »

Lucas Oliveira
Lucas Oliveira
19 novembro de 2016 11:00 am

Atenção – 1ª parte
pistasdocaminho.blogspot.com.br/2016/10/atencao-1-parte.html

Sobre a atenção – 2ª parte: Carlos Castaneda e Xamanismo
pistasdocaminho.blogspot.com.br/2015/12/sobre-atencao-1-parte-carlos-castaneda.html

Sobre a atenção, 3ª parte: o vigilante.
pistasdocaminho.blogspot.com.br/2011/02/o-vigilante-sobre-observacao-de-si-e.html

Lucas Oliveira
Lucas Oliveira
3 dezembro de 2016 11:52 pm

Actually, Let’s Not Be in the Moment

nytimes.com/2016/11/26/opinion/sunday/actually-lets-not-be-in-the-moment.html

nj
nj
28 novembro de 2006 6:50 pm

Também tem a questão de que estamos num país onde a maioria da população trabalhadora fica ainda tão constantemente preocupada em suprir necessidades básicas como alimentação, moradia, etc.; todos os dias, que até soa meio sacana esse dito zen: “se desapegue totalmente do resultado”. Claro que isto deve ser encarado em vários contextos de nossas vidas, nas nossas relações com os outros, tudo bem… Mas penso que toda uma cultura de uma nação como o Japão, fica difícil ser “transportada” como se fosse um produto para o Brasil. O Japão é um país com a economia, o clima totalmente diferentes… Read more »

nj
nj
28 novembro de 2006 3:09 pm

Fiat Lux;

* foi o Caetano quem falou sobre isso. Ele chamou de ” A Arte de Lavar Louça”. 🙂

nj
nj
28 novembro de 2006 2:57 pm

Toda a arte Zen segue uma filosofia altamente voltada à iluminação.
Ao contrário do que no ocidente se vê muito: um exercício de fútil vaidade.
É muito bonito o Zen, mas você já notou como segue um padrão estético rigoroso e parecido?
Talvez, se a filosofia Zen fosse de fato incorporada no Brasil, ela teria outra forma… 🙂

Há um tempinho também publiquei um texto sobre isso nesse meu blog:

http://saudades-do-futuro.blogspot.com

???
???
27 novembro de 2006 2:26 pm

A energia gasta para um trabalho interior ativo se transforma imediatamente em nova reserva. A que é gasta para um trabalho passivo se perde para sempre.
Gurdjieff.

Paulinha
Paulinha
27 novembro de 2006 3:51 pm

Engraçado.. no mesmo dia!
Adorei o texto, amor.
A parte que postei, me fez lembrar o seu post:
“O mestre deve saber que a melhor maneira do discípulo respeitar e aprende a lição é a observância da sua maneira de vida.”
Nem que seja num simples cortar pão..

Bjão!!

R.
R.
27 novembro de 2006 5:56 pm

O dalai lama pode não concordar… 😕 …mas um mundo onde todos fossem zen busdistas seria um ótimo lugar para se viver..

TRInITY
TRInITY
27 novembro de 2006 6:42 pm

Qual seu email pra contato msm?
contato@saindodamatrix.com.br?

Lex
Lex
28 novembro de 2006 5:51 am

Todos nós ansiamos pelo céu onde Deus se encontra,
mas está em nosso poder estar no céu com Ele neste exato momento.
Mas ser feliz com Ele agora significa:
Amar como Ele ama,
Ajudar como Ele ajuda,
Dar como Ele dá,
Servir como Ele serve,
Salvar como Ele salva,
Estar com Ele nas vinte e quatro horas do dia,
Tocá-Lo em seu aflitivo disfarce.

Madre Teresa de Calcutá

Lex
Lex
28 novembro de 2006 5:52 am

…Entendendo plenamente o Zen

Rafael
Rafael
28 novembro de 2006 7:09 am

Sou mais um chá de cogumelo.

Gwenyfar
Gwenyfar
28 novembro de 2006 7:19 am

É muito interessante a questão do controle da mente, controlar os pensamentos, ter atenção, observar o agora, não se perder em devaneios. Concentração é coisa que falta na cabeça de muita gente. E o ritual pode ajudar muito a desenvolver.
É bonita essa cerimônia, mas dá uma agonia…*rs* é que é tudo tããããão lento! Ai ai! Para que pressa?

Fiat Lux
Fiat Lux
28 novembro de 2006 8:11 am

Na minha opinião o objetivo da cerimonia do chá, nada mais é do que uma das várias maneiras do zen budismo, para nos atermos ao momento presente. Se pararmos para analisar, os nossos pensamentos estão na maior parte do tempo voltados ao passado ou ao futuro, por isso tanto estresse e ansiedade. É dificil nos concentrarmos no agora, prestando atenção ao que estamos fazendo, geralmente de maneira condicionada e muitas vezes prejudicial à saúde (acordando atrasado, comendo rápido, falando sem pensar,etc.) A meu ver, seria como uma maneira de desprogramar a mente da correria do dia-a-dia. Não sei se foi… Read more »

Bono
Bono
28 novembro de 2006 10:37 am

Para um zen budista o agonizante e estressante talvez seja não fazer as coisas dessa forma.

Ui
Ui
28 novembro de 2006 12:50 pm

olha só oque eu encontrei:
http://www.cacp.org.br/bode.htm

Ui
Ui
28 novembro de 2006 1:10 pm

rafael, não diga asneiraes!!!
Se tu ja bebeste cha de gogumelo, tu eis o homem mais forte! E este não perde tempo no PC

Anônimo
Anônimo
25 julho de 2018 2:48 pm

Gratidão!

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