PILARES DO POP

Por Silvio Essinger

Paul McCartney e Brian Wilson têm muito em comum. Além de nascerem no mesmo ano – e no mesmo mês! – eles integraram dois dos principais grupos de todos os tempos: o The Beatles e o The Beach Boys. E assim travaram uma batalha transatlântica sem igual no mundo da música.

Junho de 1942 foi de fato um grande mês para a música pop. Enquanto o mundo queimava na Segunda Guerra Mundial, dois gênios nasciam, um de cada lado do mundo. No dia 18, na cinzenta Liverpool, Inglaterra, Paul McCartney fazia sua estréia no planeta, preparando-se para o destino que o levaria a ser o baixista dos Beatles, a maior banda de rock de todos os tempos e uma espécie de paradigma do compositor pop que uniu qualidade e sucesso, tanto com a banda quanto na carreira solo iniciada em 1970. Dois dias depois, em Hawthorne, no ensolarado estado americano da Califórnia, era a vez de Brian Wilson, que com os irmãos Carl e Dennis formaria, antes de completar 20 anos, os Beach Boys, uma fábrica de sucessos do rock americano, com uma bem dosada mistura da eletricidade das guitarras e a doçura das harmonias vocais. Com o tempo, Brian, o cabeça do grupo, baixista e autor de suas principais canções – como “I Get Around”, “Surfin’ USA”, “Help Me Rhonda”, “Little Surfer Girl”, etc. – e Paul McCartney, acabariam levados, por uma particular circunstância da história do rock, a uma das mais saudáveis (e, por outro lado, tristes) competições de que se tem notícia. Uma competição responsável por dois discos que seguem anos a fio entre os cinco primeiros de qualquer lista dos melhores de todos os tempos que se preze: Pet Sounds (1966, Beach Boys) e Sgt Pepper´s Lonely Hearts Club Band (1967, Beatles).

No começo dos anos 60, não tinha banda que batesse os Beach Boys nos Estados Unidos. Inventores do rock californiano, com suas músicas sobre praia, gatinhas e carrões, eles seguiram tranquilos, empilhando sucessos nas paradas, até 1964, quando uma banda veio da Inglaterra para ameaçá-los: os Beatles. “A primeira vez em que ouvi os Beatles foi no rádio, com ‘I Wanna Hold Your Hand’”, disse Brian Wilson, em depoimento à revista inglesa Mojo, num número especial todo dedicado ao quarteto de Liverpool. “E logo descobri que tudo havia mudado e que se os Beach Boys quisessem sobreviver, teriam que ficar alertas.” Wilson contou que sentia inveja da eletricidade dos ingleses e que, ao vê-los ao vivo, percebeu que sua banda não conseguiria batê-los nesse campo. O que restava era tentar virar o jogo no estúdio, fazendo discos melhores que os deles. Mas Paul, John, George e Ringo também avançavam a largos passos nesse território. Em 1956, lançaram o LP Rubber Soul, que deixou o beach boy literalmente chapado. “Ouvi o disco quatro vezes de uma vez só. E fiquei tão impressionado que passei duas noites sem dormir”, conta.

AQUITETO DA PARANÓIA

Foi aí que a coisa ficou realmente séria. “Rubber Soul (de canções como ‘Michelle’, ‘Girl’, ‘Drive My Car’ e ‘Nowhere Man’) se tornou um desafio para mim. Eu disse para Marilyn (sua mulher) que iria fazer o maior álbum de rock de todos os tempos. Rubber Soul tomara a minha alma e eu queria fazer algo tão bom quanto. Convenci-me de que tinha que fazer algo que expressasse o que eu tinha na alma e no coração. Não me preocupava com vendas, só com o mérito artístico”, conta. Afastado das turnês com os Beach Boys, pois o peso do estrelato o havia feito surtar pouco tempo antes, Brian tinha resolvido ficar concentrado na composição – a mina de ouro da banda – e nos trabalhos de estúdio. Num período em que a banda estava viajando com seu show, ele começou a arquitetar Pet Sounds, quase um disco solo seu. Compôs algumas de suas músicas mais belas e sofisticadas – “God Only Knows”, “Wouldn’t It Be Nice”, “I Know There’s an Answer”, “Dont’t Talk (Put Your Hand on My Shoulder)”, “Caroline No” – e entrou em estúdio com alguns dos melhores músicos da Califórnia (populares e eruditos) para montar esse disco em que a busca por novos sons se tornara uma obsessão. Eram tantas partes instrumentais e tantas dobras vocais, que o estúdio e a fita magnética não pareciam conseguir acolher a música que Brian Wilson tinha na cabeça.

Lançado em maio de 1966, Pet Sounds foi um choque. Os Beach Boys detestaram aquele disco que não era festeiro (tampouco comercial) e falava do amor – e de desilusões – com profundidade e conhecimento de causa. Muitos, por outro lado, foram arrebatados pela sinfonia pop de Brian Wilson. Entre eles, Paul McCartney, que disse, em 1966, considerar “God Only Knows” a melhor música já composta até então. A idéia de fazer um disco naqueles moldes, ambicioso, além do pop, contaminou o beatle, que havia avançado em suas experimentações psicodélicas naquele ano com o disco Revolver. No ano seguinte, lá viriam então os Beatles com Sgt Pepper’s…, de canções como a faixa-título, “A Little Help Froam My Friends” e a sublime “A Day In The Life”. “Quando ouvi o disco, vi que os Beatles haviam descoberto uma forma de levar o rock para uma outra direção”, admitiu o beach boy. Paul, por sua vez, fez justiça a Wilson. “Pet Sounds foi minha inspiração para a realização de Sgt Pepper’s, a maior influência. A inventividade musical… uau! Toco ele para os garotos e eles adoram. Eu pensava na época: ‘Pobre de mim. É o melhor disco de todos os tempos. O que vamos fazer?’”

Antes mesmo de Sgt Pepper’s, a cabeça de Brian Wilson já andava funcionando numa velocidade bem maior do que seus neurônios poderiam suportar. Pouco depois do lançamento de Pet Sounds, ele iniciara a feitura de mais uma obra ambiciosa, o disco Smile, uma “sinfonia adolescente para Deus”. A primeira amostra dele foi a música “Good Vibrations”, um inovador surf rock com theremin (instrumento eletrônico então relegado às trilhas de filme de terror), que é até hoje reconhecido como uma das mais sensacionais músicas já gravadas na história do rock. Sinais de paranóia e estranhos episódios durante a feitura de Smile – como gravações na piscina ou a ordem para que músicos mastigassem vegetais durante as sessões da canção “Vegetables” – indicavam que a coisa já não ia bem para Wilson, que acabaria abandonando o disco (até hoje não oficialmente lançado – existem vários discos piratas, versões do que ele poderia ter sido) em 1967, duas semanas antes da chegada triunfal de Sgt Pepper’s às lojas.

Viciado em drogas pesadas, o músico passou os anos seguinte isolado em sua casa, drogando-se, engordando e esporadicamente compondo para os Beach Boys, enquanto McCartney se tornava um dos artistas mais bem-sucedidos do rock. Depois de tratamentos psiquiátricos, o beach boy
voltou à cena, limpo, no fim dos anos 80. Em 2001, ganhou um show-tributo, em que várias estrelas (Elton John, Billy Joel, Ricky Martin, Go-Gos, entre outros) cantaram suas músicas. E em que McCartney pôde reafirmar, em alto e bom som:
“Brian Wilson é o homem”.

0 0 votes
Avaliação
Subscribe
Notify of
2 Comentários
Newest
Oldest Most Voted
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários
billy shears
billy shears
1 março de 2007 10:03 pm

Excelente post, gosto muito de Beach Boys. Suas melodias suaves são um retrato de uma época, pelo que fizeram, são dignos de admiração por aqueles que gostam de pop/rock, porém o que faltou-lhes podemos encontrar nos Beatles: a ousadia de romper com um estilo e não ter medo de experimentar, sobretudo a partir da 2ª fase, onde podemos encontrar as sementes de várias vertentes do Rock’n’roll que se desenvolveria a partir da lamentável dissolução dos fab four. Além de ser um gênio, Paul teve a fortuna de ter ao seu lado John, igualmente genial, e um mestre do quilate do… Read more »

Saindo da Matrix
Saindo da Matrix
1 março de 2007 10:28 pm

O que eu acho engraçado até hoje é como o George Martin aguentou a energia e as doidices desses 4. Afinal, ele sempre foi o mais velho, com idade pra ser o pai deles. Acho que ele sabia desde cedo que estava diante de gênios e tolerava o “gênio” deles (especialmente John).

Posts Relacionados

Comece a digitar sua pesquisa acima e pressione Enter para pesquisar. Pressione ESC para cancelar.