O PEQUENO PRÍNCIPE

O Pequeno Príncipe é um daqueles livros “pra criança” que na verdade fala à nossa criança interior. Por isso mesmo ele é melhor compreendido na maturidade, quando vamos nos tornando de novo crianças, mas com um entendimento melhor do mundo e das relações. Assim como Fernão Capelo Gaivota (de Richard Bach) ele traz uma mensagem universal escondida numa embalagem simples, que vai sendo decifrada em camadas ao longo de cada leitura, a depender da sua compreensão atual.

O PEQUENO PRÍNCIPE

“A questão é que a cada vez que o pequeno príncipe encontra um personagem adulto em sua viagem pelo universo, ele representa algumas características que nós, humanos, enfrentamos ao longo da vida – a arrogância, a vaidade, o materialismo, e, no caso do homem que bebe demais, a vergonha. Isso tudo são características que adquirimos à medida que vamos crescendo e aprendendo a nos relacionar com as outras pessoas”.

Christine Nelson; curadora da exposição The Little Prince – A New York Story

Esse livro é o quarto mais vendido no mundo, e neste ano estréia uma animação com o personagem, de autoria do diretor do filme Kung-Fu Panda:

Há 70 anos o seu autor, Saint-Exupéry, decolou o seu P-38 Lightning de uma base aérea na Córsega, em 31 de Julho de 1944, e nunca mais retornou… Passou a viver na memória e, sobretudo, no imaginário de seus leitores. Assim como seu personagem, Exupéry era piloto, e escreveu O Pequeno Príncipe enquanto residia na América. E foi ele mesmo que desenhou as ilustrações do livro. Em 2015 o livro entra em domínio público, e seguindo o trabalho realizado com Fernando Pessoa e Friedrich Nietzsche, a editora Textos para Reflexão traz uma versão digital retraduzida por Rafael Arrais e com todos os desenhos originais da obra, a cores, em boa definição e ocupando páginas inteiras. “Pelo preço de um café”, como diz a editora, você pode adquirir o livro digital para Kindle, Apple e Android clicando aqui.

Abaixo temos uma amostra do novo livro com um dos capítulos mais importantes, que traz uma reflexão profunda sobre o valor da amizade e do amor:

TU ÉS RESPONSÁVEL POR AQUILO QUE CATIVAS

Tradução de Rafael Arrais

pequeno principe3

E foi aí que apareceu a raposa…

“Bom dia”, disse a raposa.

“Bom dia”, respondeu educadamente o pequeno príncipe, apesar de que não a viu em canto nenhum quando se virou.

“Estou aqui, ao lado da macieira.”

“Quem é você? Nossa, você é muito bonita.”

“Eu sou uma raposa”, disse a raposa.

“Venha brincar comigo”, convidou o pequeno príncipe. “Estou um tanto infeliz…”

“Eu não posso brincar contigo, ainda não fui cativada.”

“Ah! Me desculpe.”, disse o pequeno príncipe.

Mas, após pensar um tantinho, perguntou:

“O que isto significa, ‘cativar’?”

“Você não é daqui”, disse a raposa. “O que é que veio buscar nessas redondezas?”

“Eu busco por pessoas”, disse o pequeno príncipe. “O que significa ‘cativar’?”

“As pessoas têm armas, e nos caçam. É algo muito perturbador. Elas também costumar criar galinhas. Bem, estes são os seus únicos interesses… Você procura por galinhas?”

“Não”, disse o pequeno príncipe, “eu procuro por amigos. O que significa ‘cativar’?”

“É algo muito esquecido hoje em dia”, disse a raposa. “Significa estabelecer laços.”

“Estabelecer laços?”

“Isso. Para mim, por exemplo, você ainda não passa de um garotinho, igual a cem mil outros garotinhos. E eu não tenho necessidade alguma de estar em sua presença, assim como você não tem necessidade de estar na minha. Afinal, para você eu não passo de uma raposa, igualzinha a cem mil outras raposas que existem por aí… Se você me cativar, no entanto, nós passaremos a ter a necessidade de estarmos juntos. Para mim, você será um garotinho único em todo o mundo. E para você, eu serei uma raposa como nenhuma outra na Terra…”

“Estou começando a entender”, disse o pequeno príncipe. “Há uma flor… Eu acho que ela me cativou…”

“É possível. Aqui na Terra vê-se de tudo.”

“Oh, mas não foi na Terra!”

A raposa ficou intrigada, e um tanto curiosa:

“Foi noutro planeta?”

“Sim.”

“E há caçadores nesse planeta?”

“Não.”

“Ah, que interessante! E há galinhas por lá?”

“Não.”

“Nada é perfeito”, suspirou a raposa…

Mas logo ela retomou a conversa:

“Minha vida é um tanto monótona. Eu caço as galinhas, e os homens me caçam. Todas as galinhas são iguaizinhas, assim como todas as pessoas. Dessa forma, eu fico um pouco entediada…
Mas se você me cativar, será como se o sol viesse para iluminar a minha vida. Eu saberei do som de passos que serão diferentes do som de quaisquer outros passos.
Outros passos me fazem correr de volta para minha toca debaixo da terra, mas os seus me chamarão, como música, para sair do meu esconderijo.
E olhe: vê os campos de trigo lá no sopé da colina? Bem, eu não como trigo, então os campos de trigo nada têm a me dizer, e isto é triste… Mas você, você tem cabelos dourados. Pense como será maravilhoso quando houver me cativado!
O trigo, que também é dourado, me trará lembranças de você, e eu passarei a amar ficar contemplando os campos de trigo, e ouvindo o barulho do vento passando por eles…”

A raposa ficou olhando para o pequeno príncipe por um bom tempo, e depois lhe pediu:

“Por favor, me cative!”

“Eu gostaria muito”, respondeu o pequeno príncipe. “Mas eu não tenho tanto tempo. Eu tenho amigos por descobrir, e muitas coisas ainda por compreender.”

“Alguém só consegue compreender aquilo que cativa. As pessoas já não têm tempo para compreender coisa alguma. Elas compram tudo pronto nos seus mercados, mas não há loja alguma onde a amizade possa ser comprada, e assim as pessoas não têm mais amigos. Se você realmente quer um amigo, me cative…”

“O que eu preciso fazer para lhe cativar?”, perguntou o pequeno príncipe.

“Bem, você precisa ser muito paciente. Primeiro, você vai se sentar a uma certa distância de mim – desse jeito – na grama. Então eu olharei para você de canto de olho, e você não deverá dizer nada. Palavras são uma fonte de mal entendidos. A cada dia, no entanto, você irá se sentar um pouquinho mais perto de mim…”

No outro dia o pequeno príncipe retornou ao mesmo local…

“Teria sido melhor que viesse no mesmo horário”, disse a raposa. “Se, por exemplo, você vier às quatro da tarde, então desde as três da tarde eu já começarei a ficar feliz. Daí eu ficarei cada vez mais feliz na medida em que as horas forem passando. Às quatro horas, eu já estarei inquieta e preocupada, mas lhe mostrarei o quão feliz fiquei em lhe ver!
Mas se você vier a qualquer hora, eu nunca saberei em qual hora meu coração deverá se preparar para recebê-lo… É preciso que obedeçamos a certos ritos…”

“O que é um rito?”, perguntou o pequeno príncipe.

“São coisas que também foram esquecidas nos dias de hoje”, disse a raposa. “Os ritos são o que faz um dia ser diferente do outro, e uma hora diferente da outra. Há, por exemplo, um rito entre os homens que me caçam: toda quinta-feira eles vão dançar com as garotas do vilarejo. Daí a quinta-feira é um dia maravilhoso para mim! Nesse dia eu posso passear até bem longe, posso ir até as vinhas… Mas, se os caçadores fossem dançar a qualquer dia, então todo dia seria para mim como qualquer outro, e eu não teria a quinta-feira para descansar.”

Assim, o pequeno príncipe cativou a raposa.
E, quando a hora da sua despedida se aproximou, a raposa lhe disse:

“Ah, eu vou chorar.”

“Mas isto é sua culpa”, disse o pequeno príncipe. “Eu nunca lhe quis nenhum mal; mas você insistiu para que eu a cativasse…”

“Sim, é verdade”, disse a raposa.

“Mas agora você vai chorar!”

“Sim, é verdade.”

“Então isto não lhe trouxe nada de bom! Você não sai ganhando em nada…”

“Ganho sim”, disse a raposa, “por causa da cor dos campos de trigo.”

E então ela ainda acrescentou:

“Vá observar novamente as rosas. Agora você deverá compreender que a sua rosa é única em todo o mundo. Daí, venha me dizer adeus, e eu lhe darei de presente um segredo.”

O pequeno príncipe se foi para ver as rosas novamente:

pequeno principe2

“Vocês não são nem um pouco parecidas com a minha rosa”, ele as disse. “No momento vocês ainda são como nada. Ninguém as cativou, e vocês ainda não cativaram ninguém. Vocês são como a minha raposa quando a vi pela primeira vez. Ela era somente uma raposa como cem mil outras raposas. Mas hoje nós somos amigos, e ela é para mim uma raposa única em todo o mundo.”

E as rosas ficaram muito desapontadas…

“Vocês são belas, mas são vazias”, ele prosseguiu. “Ninguém iria morrer por vocês. De fato, um transeunte qualquer poderia pensar que a minha rosa se parece muito com vocês… Mas ela, apenas ela, é mais importante do que todas vocês, pois foi somente ela a rosa que eu reguei; foi somente ela a rosa que eu coloquei sob a redoma de vidro; foi somente ela que eu protegi com o pára-vento; foi somente por ela que eu matei as larvas (exceto as duas ou três que salvei para que se tornassem borboletas). E foi somente ela que eu tive paciência de escutar, enquanto se queixava ou se gabava, ou mesmo quando não dizia absolutamente nada. Pois ela é a minha rosa.”

E assim, ele retornou para se despedir da raposa:

“Adeus”, ele disse.

“Adeus”, disse a raposa. “E agora, como prometido, aqui vai o meu segredo. De fato, é um segredo bem simples: é somente com o coração que podemos ver corretamente; o essencial é invisível aos olhos.”

“O essencial é invisível aos olhos”, repetiu o pequeno príncipe, para que tivesse certeza de que iria se lembrar.

“Foi o tempo que perdeu com a sua rosa o que fez dela uma rosa tão importante.”

“Foi o tempo que perdi com a minha rosa…”, repetiu o pequeno príncipe, para que tivesse certeza de que iria se lembrar.

“As pessoas esqueceram esta verdade”, disse a raposa. “Mas você não deve esquecer. Você se torna eternamente responsável pelo que cativou. Você é responsável por sua rosa…”

“Eu sou responsável por minha rosa”, repetiu o pequeno príncipe, para que tivesse certeza de que iria se lembrar.

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Rafael Tavares
Rafael Tavares
13 fevereiro de 2015 10:09 am

Tentei resumir minhas ideias, mas resumir mais do que isso ficou difícil… Acabei lendo o livro recentemente por estar estudando alemão, já tinha lido o livro quando criança, com 15, 20 e 25 anos. Me propus uma leitura a cada 5 anos para me ajudar a perceber como eu estaria diferente a cada leitura. Mas o estudo de outra língua me fez, agora aos 33 ler outro livro de novo! Realmente não esperava. É muito claro o que ele quer dizer com todos os adultos que ele encontra no livro, cada pessoa vivendo no seu mundo, cheios de condicionamentos, e… Read more »

Skywalker
Skywalker
14 janeiro de 2016 6:55 pm

Então Acid:
Já que fez essa (belíssima, como sempre) leitura espiritualista a respeito de O Pequeno Príncipe, mencionando Richard Bach, não valeria a pena fazer o mesmo com a obra deste último? Ou com um dos seus dois livros mais emblemáticos, Ilusões e Fernão Capelo Gaivota? Sou super fã de ambos, abriram demais minha cabeça na adolescência, e valem uma leitura e resenha nesse sentido. Fica a dica. Forte abraço!

Geninha
Geninha
4 fevereiro de 2015 12:44 am

Assisti o Pequeno Principe quando era criança e li o livro já adulta…. E tanto numa fase quanto noutra ficava por dias me questionando sobre a jibóia e o elefante.

Mcnaught
Mcnaught
10 janeiro de 2015 12:26 am

Oi Acid. Sou comentarista das antigas rs. Nem sempre você respondeu perguntas mas vou fazer uma. Se decidir não responder irei respeitar como ja fiz antes num passado onde nós éramos perseguidores da “busca” rs. Eu abandonei a “busca’ rs. Ah! A pergunta rs: Tem filho(s)? O meu vai nascer daqui 3 semanas. Eu mesmo pintei e fiz o quarto com a temática do pequeno príncipe. O chá de bebê também foi com a temática do pequeno príncipe. Eu sei que ele, as crianças que estiveram presente no evento e muitos adultos vão levar um certo “tempo’ para entender o… Read more »

leila s. wiggers
leila s. wiggers
7 janeiro de 2015 7:43 pm

Olá!

Leio o blog há muito tempo, essa é a primeira vez que eu comento.

Acho esse texto lindo,e sobre a interpretação acredito que todos estão corretos, afinal cada um interpreta de acordo com sua percepção de mundo.. ” me vejo no que vejo” e isso é fantástico!

Rodrigo Ferreira
Rodrigo Ferreira
7 janeiro de 2015 12:22 pm

Puro ouro!

Serise  Contre les Destroyers D'illusions
Serise Contre les Destroyers D'illusions
6 janeiro de 2015 7:59 pm

Cara, transformaram o Pequeno Príncipe numa cebola!
Isso foi radical demais.

raph
raph
6 janeiro de 2015 2:09 pm

Oi Diego, É uma boa análise a sua… Conhecendo mais a fundo a história da escrita do livro, eu discordo e concordo contigo: – Concordo no sentido da relação do pequeno príncipe com “a sua rosa”, que se referia a relação conturbada que Saint-Exupéry tinha com sua esposa (ela mesma dá depoimento dizendo que era “a sua rosa”, em alguns livros). Na verdade toda a história do amor do pequeno príncipe pela sua rosa é uma história de um tipo de amor meio doentio o obsessivo, o que nem sempre é simples notar. – Discordo no sentido da interpretação da… Read more »

Diego
Diego
5 janeiro de 2015 12:29 pm

Acid, obrigado pela resposta. E a sua releitura kármica fez sentido. Continuando a minha análise: Em outra passagem, o pequeno diz “foi somente ela a rosa que eu coloquei sob a redoma de vidro, (…) somente ela que eu tive paciência de escutar (…), pois ela é a MINHA rosa.” (grifo meu). Fica ainda mais claro o sentido de cativeiro e aprisionamento. A rosa, embora regada e protegida do vento por ele, agora deixou de ser livre, foi retirada do seu habitat natural.** Esta passagem, e todo o diálogo, me transmite muito mais sentimentos de apego (no sentido ruim, como… Read more »

Diego
Diego
5 janeiro de 2015 10:26 am

Devemos prestar atenção e refletir sobre o significado de CATIVAR. No original, em francês, a palavra é “apprivoisé”, que significa domesticar, domar, ou, ainda, aprisionar. Já em português, além de tornar cativo (de cativeiro mesmo) e domar, a palavra possui uma ressignificação boazinha para seduzir, encantar. Acredito que o autor, reitero, francês, não escreveu no sentido legal que interpretamos. Diz a raposa: “Eu não posso brincar contigo, ainda não fui domesticada/domada/aprisionada.” E indo além, nós somos responsáveis por aquilo que capturamos, que deixamos cativos sob nossos cuidados (como um prisioneiro ou um animal de estimação). E como seríamos responsáveis por… Read more »

Gabriel Tuccori
Gabriel Tuccori
5 janeiro de 2015 1:19 am

Olá, Acid. Acompanho seu site há um tempo e sou fã dos seus textos. Queria saber se você fará uma análise de “Interstellar”. Obrigado e um abraço!

Washington
Washington
4 janeiro de 2015 8:22 am

Sou leitor do seu blog há muito tempo, mesmo antes de saber que esse site é um blog. Hoje dedico parte de meu tempo trabalhando com blogs e marketing online e sempre fui fã de seus textos, estou lendo o pequeno príncipe e realmente ele só pode ser , como disse no texto, para nossa criança interior.

Amanda
Amanda
2 janeiro de 2015 3:43 pm

Como não amar esse desenho da raposinha?

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