A NOITE ESCURA, DE SÃO JOÃO DA CRUZ

Uma das músicas mais belas de Loreena McKennit é A noite escura da alma (The Dark Night of the soul), e se encontra no álbum The mask and mirror, de 1994. Foi baseada no poema escrito por São João da Cruz, no séc. XV. Loreena escreve no encarte do CD:

“Maio de 1993 – Stratford… estava eu lendo sobre a poesia Espanhola do século XV, e me senti atraída por uma em particular, do escritor místico e visionário São João das Cruzes;
O trabalho, sem título, é um sensível e ricamente metafórico poema de amor entre ele e seu Deus. Poderia passar por um poema de amor entre duas pessoas, em qualquer época…
Sua aproximação parece mais ligada aos primeiros trabalhos Islâmicos ou Judaicos, em sua mais direta comunicação com Deus…
Eu pesquisei em 3 diferentes traduções do poema, e me surpreendi pelo fato de como uma tradução pode alterar a interpretação. Me lembrei de que a maioria das escrituras sagradas chegam até nós traduzidas, resultando numa variedade de pontos de vista.”

Loreena McKennit
noite escura alma

São João da Cruz, Místico, sacerdote e frade carmelita espanhol, bebeu da influência cultural árabe, também dos místicos medievais e dos temas profanos não-religiosos, derivados de músicas populares (“romanceros“), transformando-os em poesia religiosa. Ele utilizou, ainda no século XV, uma linguagem figurada parecida com a do Cântico dos Cânticos para exaltar o “modo e maneira que tem a alma no caminho da união de amor com Deus”:

Oh! noite que me guiaste,
Oh! noite mais amável que a alvorada
Oh! noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!

Em meu peito florido
Que, inteiro, para Ele só guardava
Quedou-se adormecido,
E eu, terna, O regalava,
E dos cedros o leque o refrescava.

Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.

Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado.

São João da Cruz

Esse poema (cujo original faz parte de um livro homônimo – que pode ser baixado aqui – com explicação do próprio autor a cada estrofe e que trata basicamente dos problemas espirituais da Noite escura da alma) foi encantadoramente musicado em inglês pela cantora Loreena McKennitt:

The dark night of the soul 

Upon a darkened night
the flame of love was burning in my breast
And by a lantern bright
I fled my house while all in quiet rest

Shrouded by the night
and by the secret star I quickly fled
The veil concealed my eyes
while all within lay quiet as the dead

chorus:
Oh night thou was my guide
oh night more loving than the rising sun
Oh night that joined the lover
to the beloved one
transforming each of them into the other

Upon that misty night
in secrecy, beyond such mortal sight
Without a guide or light
than that which burned so deeply in my heart

That fire t’was led me on
and shone more bright than of the midday sun
To where he waited still
it was a place where no one else could come

Chorus

Within my pounding heart
which kept itself entirely for him
He fell into his sleep
beneath the cedars all my love I gave
And by the fortress walls
the wind would brush his hair against his brow
And with its smoothest hand
caressed my every sense it would allow

Chorus

I lost myself to him
and laid my face upon my lovers breast
And care and grief grew dim
as in the mornings mist became the light
There they dimmed amongst the lilies fair
There they dimmed amongst the lilies fair
There they dimmed amongst the lilies fair

A noite escura da alma

Em uma noite escura
A chama do amor estava a arder em meu peito
E, com a luz de uma lanterna
Fugi de casa enquanto todos dormiam

Encoberto pela noite
e pelo meu destino incerto rapidamente corria
O véu ocultava os meus olhos
Enquanto todos em casa repousavam como mortos.

refrão:
Ó, noite, tu fostes o meu guia
Ó, noite, mais adorável que o nascer do sol
Ó, noite, que uniu o amante à amada
Transformando cada um deles um no outro.

Adentro esta noite nevoenta
Em segredo, para além do espectro mortal
Sem um guia ou luz
Senão a que ardia tão profundamente em meu coração.

Esta chama que me guiava
Com brilho mais claro que o do sol do meio-dia
Para onde ele aguardava, imóvel
Era um lugar onde ninguém mais podia chegar

Refrão

Dentro do meu palpitante coração
Que se guardou inteiramente para ele
Ele mergulhou no seu sono
Debaixo do cedros, todo o meu amor eu dei
E, pelos muros da fortaleza
O vento roçava seus cabelos contra a sua testa.
E com sua mão macia
Acariciava todos os meus sentidos possíveis

Refrão

Eu me entreguei a ele
E repousei minha face nos seios do meu amor
A inquietação e a tristeza turvaram-se
Enquanto na névoa da manhã fazia-se a luz
E lá elas dissiparam-se por entre os belos lírios.
E lá elas dissiparam-se por entre os belos lírios.
E lá elas dissiparam-se por entre os belos lírios.

Referência:
A noite escura da alma, por Monja Isshin;
Alex Castro – A noite escura de São João da Cruz;
Livro “A noite escura segundo São João da Cruz“, do padre carmelita belga Wilfried Stinissen

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Renata
Renata
30 maio de 2021 2:28 pm
Ludmila
Ludmila
28 outubro de 2020 6:45 pm

Muito bom o seu blog, com temas muito profundos que me são familiares.. E fora das redes sociais!

Gleison
Gleison
14 outubro de 2020 10:07 am

Muito bom!

Leve, esperançoso e apaixonante!

Este é o tipo de texto que quero ler, meditar e refletir durante os invernos da minha jornada.

Só isso, só isso que precisamos.

Vamos seguindo mais um pouco, sem pressa.

Aproveitei para escutar a linda música junto. Assim o clima ficou perfeito.

Last edited 3 anos atrás by Gleison
César Aragão
César Aragão
14 outubro de 2020 8:51 am

Muito bom. São João da Cruz era um místico, portanto muito sensível…conseguiu traduzir, em seus escritos, os diversos estados pelos quais passa a alma humana, na sua viagem por este mundo.

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