O SILÊNCIO

E Herodes, quando viu a Jesus, alegrou-se muito; porque havia muito que desejava vê-lo, por ter ouvido dele muitas coisas; e esperava que lhe veria fazer algum sinal. E interrogava-o com muitas palavras, mas ele nada lhe respondia.
(Lucas 27:8-9)

Disse-lhe, pois, Pilatos: “Logo tu és rei?” Jesus respondeu: “Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.” Disse-lhe Pilatos: “Que é a verdade?” E, dizendo isto, tornou a ir ter com os judeus, e disse-lhes: Não acho nele crime algum.
(João 18:37-38)

Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim. Se vós me conhecêsseis a mim, também conheceríeis a meu Pai; e já desde agora o conheceis, e o tendes visto. Disse-lhe Filipe: Senhor, mostra-nos o Pai, o que nos basta. Disse-lhe Jesus: Estou há tanto tempo convosco, e não me tendes conhecido, Filipe? Quem me vê a mim vê o Pai; e como dizes tu: Mostra-nos o Pai?
(João 14:6-9)

Jesus fala pacientemente aos seus discípulos (que, por vezes, são burros de dar dó, como na passagem acima), prega ao povo na rua, no Monte das Oliveiras, fala aos humildes, mas não fala aos cultos Herodes nem Pilatos, que estavam entusiasmados em ouvir seus ensinamentos (como um passatempo, provavelmente). Afinal, por que dizer o que eles não querem de fato ouvir? É caridade moral respeitar as limitações dos outros. Seria uma agressão aos ouvidos de Pilatos a resposta “Eu sou a Verdade e a Vida.”

Mas, afinal, o que é a Verdade? Essa é uma pergunta que persegue a humanidade durante milênios. Alguns dirão “É Jesus, como você disse acima”. Mas o que É e o que FOI Jesus? Será que adjetivos bastam para defini-lo? Será que conhecemos MESMO Jesus e o que ele representou? Prefiro manter o respeitoso silêncio dos que reconhecem que nada sabem.

Buda também mantém o silêncio nesta parábola budista, para não causar um mal:

Quando um andarilho de nome Vacchagotta lhe perguntou diretamente se havia um eu, Buda permaneceu silencioso.
– Então, não existe um eu? Tornou a perguntar o andarilho. Uma segunda vez o Mestre ficou em silêncio.
Então, o errante Vacchagotta levantou-se do seu assento e partiu. Em seguida, seu primo e discípulo Ananda perguntou a Buda, desconcertado:
– Por que o senhor, Mestre, não respondeu quando foi perguntado pelo errante Vacchagotta?
– Seu eu, Ananda, respondesse que há um eu, isto seria concordar com aqueles brâmanes e eremitas que são eternalistas (isto é, a idéia de que existe uma alma eterna). Se eu, Ananda, respondesse que não há um eu, isto seria concordar com aqueles brâmanes e eremitas que são aniquilacionistas (de que a morte é a aniquilação da experiência). O andarilho Vacchagotta, já confuso, teria ficado ainda mais confuso (e teria pensado): “Anteriormente não havia um eu para mim? Agora deixou de existir?”

Não havia uma maneira de responder à questão daquele homem sem reforçar uma visão equivocada sobre o eu. Daí o silêncio. Não era um caso de má vontade. Buda sabia que o que quer que ele respondesse não ia causar um bem ao homem, nem ia provocar uma mudança em seus conceitos, pois segundo uma outra parábola budista Buda já o conhecia e havia tentado explicar para ele (sem sucesso) algo parecido. O budismo prega, entre outras coisas, a palavra correta, isto é: não mentir, não falar em vão nem usar palavras ásperas ou caluniosas. Prega também que, se não tem nada útil para dizer, guarde o nobre silêncio. É respeitar o nível evolutivo de cada indivíduo. Até mesmo Paulo de Tarso demonstrou utilizar este recurso, quando disse:

“E eu, irmãos não vos pude falar como a espirituais, mas como a carnais, como a criancinhas em Cristo. Leite vos dei por alimento, e não comida sólida, porque não a podíeis suportar; nem ainda agora podeis”

I Coríntios 3

Bodhidharma – Mestre hindu difusor do Zen Budismo e do Shoringi Kempo na China e no Japão – certo dia perguntou aos seus melhores discípulos o que eles haviam aprendido sobre o Dharma.

Tao-fu aproximou-se e disse: “Eu percebi que o caminho budista transcende a linguagem e a palavra, embora não separado da linguagem e da palavra”.
Bodhidharma respondeu: “Você atingiu minha pele.”

Tsung Chih disse: “O que eu aprendi é como ver a Aksobya (Paraíso eterno, terra do Buda). Após vê-la, você não pode descrevê-la”.
Bodhidharma respondeu: “Você atingiu minha carne.”

Tao-yu disse: “Os quatro elementos estão originalmente vazios e os cinco agregados não existem. Nada do que entendi é atingível”.
Bodhidharma respondeu: “Você atingiu meu osso.”

Por fim, Hui-k’o fez uma reverência ao Mestre e permaneceu imóvel, em silêncio.
Bodhidharma então falou: “Você atingiu minha medula”.

Referência:
O Significado Maçônico do Silêncio;
A estratégia do não-eu;
Encontros de Jesus: Pôncio Pilatos;
Teachings of Bodhidharma;
Hui-k’o: The Second Patriarch of Chinese Zen

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Geninha
Geninha
4 junho de 2020 2:31 pm

Estou vivendo novamente o momento que a boca cala, a mente não cede e os dedos se perdem na subjetividade. Mas tenho lembrado do seu pedido constante: “seja concisa!”… Com intuito de integrar o que realmente preciso aprender.

Anônimo
Anônimo
9 janeiro de 2010 7:08 pm

Comentários da época:

Hui-k’o podia ter sido um grande blefador
Felipe

Ou um mudo
Saindo da Matrix

André
André
13 janeiro de 2010 1:15 pm

Ou surdo rsrs

Bem inspirador este texto. Gracias.

Anônimo
Anônimo
16 maio de 2013 10:48 pm

Agora contaremos doze e ficaremos todos quietos. Por uma vez sobre a terra não falemos em nenhum idioma, por um segundo nos detenhamos, não movamos tanto os braços. Seria um minuto flagrante, sem pressa, sem automóveis, todos estaríamos juntos em uma quietude instantânea. Os pescadores do mar frio não fariam mal às baleias e o trabalhador do sal olharia suas mãos rotas. Os que preparam guerras verdes, guerras de gás, guerras de fogo, vitórias sem sobreviventes, vestiriam um traje puro e andariam com seus irmãos pela sombra, sem nada fazer. Não confundam o que quero com a inanição definitiva: a… Read more »

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